Há quase sete anos, a comunicação no Brasil tem um parceiro na luta pela democratização da informação: o jornal Brasil de Fato. Pautado pela luta dos movimentos sociais e buscando romper o cerco formado pelos grandes meios de comunicação, o jornal tem prestado um serviço a favor daqueles que desejam ver, analisar e refletir sobre o outro lado das histórias. A IHU On-Line conversou, por telefone, com o jornalista Nilton Viana, editor do Brasil de Fato. Ele nos fala sobre a história e a luta do veículo e, também reflete um pouco sobre o jornalismo hoje (e do futuro) no Brasil. “Num processo de transformação, a democratização dos meios de comunicação é fundamental. Se quisermos construir uma sociedade justa, igualitária, é fundamental a democratização dos meios de comunicação”, disse ele.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O jornal Brasil de Fato inicia o seu sétimo ano de existência sem interrupção, um fato raro em publicações de esquerda. Ao que o senhor atribuiu essa longevidade do jornal?
Nilton Viana – Já estamos caminhando para o sétimo ano de existência e resistência do Brasil de Fato. Na verdade, trata-se de um acontecimento que, com certeza, é uma conquista para a classe trabalhadora. No entanto, ele se deve, fundamentalmente, à contribuição e ao projeto político do Brasil de Fato de militantes espalhados pelo país todo. O jornal nasceu da necessidade justamente dos movimentos sociais de terem seu instrumento de comunicação, capaz de romper os grandes cercos midiáticos, para fazer o contraponto aos grandes meios de comunicação e, ao mesmo tempo, para ser um instrumento que sirva de subsídio para a militância social.
IHU On-Line – O Brasil de Fato surgiu com o propósito de não ter como referência a agenda do Planalto e dos partidos, e sim do movimento social. Isso tem sido possível?
Nilton Viana – Desde o começo do Brasil de Fato, dentro do contexto político editorial do jornal, discutimos que o veículo não seria nem corrente transmissora de governo algum, portanto não teríamos e procuramos não ter como centro das nossas pautas as ações governamentais. É claro que, como um jornal político, acaba tendo pauta sim, do ponto de vista institucional e governamental, mas procuramos centrar fogo nas nossas pautas principalmente nas lutas dos povos, dos movimentos sociais. Onde o povo estiver lutando, estaremos cobrindo, esse é o nosso compromisso maior.
IHU On-Line – De que fatos o jornal trata que a grande imprensa ignora?
Nilton Viana – Por exemplo, de fatos que dignificam o povo brasileiro. Nós sempre procuramos cobrir lutas dos movimentos sociais que os grandes meios ignoram. Procuramos traçar e cobrir ações coletivas, experiências e lutas coletivas que dão dignidade ao povo brasileiro. Coisa que os grandes meios não fazem e quando fazem é para ridicularizar ou personalizar as lutas.
IHU On-Line – Qual é a linha editorial do Brasil de Fato em relação ao governo Lula?
Nilton Viana – O Brasil de Fato tem uma linha independente do governo Lula ou de qualquer outro governo. Não somos oposição, pois não é esse o nosso papel, nem tampouco corrente política de nenhum governo. O Brasil de Fato é um projeto político em que procuramos ser plurais no campo da esquerda, ao mesmo tempo em que temos como referências, no seu projeto editorial, a construção de um projeto popular para o Brasil. Portanto, ele não tem o governo como centro disso, mas sim as lutas dos povos. O nosso posicionamento político referente ao governo é assim: quando o governo Lula tomar fizer qualquer medida que seja em benefício da maioria do povo, seremos os primeiros a estampar em nossas páginas. Da mesma forma, quando ele toma medidas antipopulares e de interesses neoliberais e capitalistas, seremos os primeiros a criticar, como temos feito sistematicamente. Temos claro que o governo Lula não é um governo de esquerda, e sim neoliberal. Nesse sentido, o conjunto dos movimentos sociais e da esquerda têm consciência de que se trata de um governo extremamente contraditório. Por mais que tenha avanços políticos do ponto de vista de sua política externa, por exemplo, do ponto de vista interna não fez as mudanças estruturais que o país precisa.
IHU On-Line – Alguns consideram o Brasil de Fato um porta-voz das teses do MST e excessivamente chavista. Como o senhor avalia essas críticas?
Nilton Viana – Para nós, isso não tem o menor problema. Mas não somos porta-vozes do MST, e sim do conjunto dos movimentos sociais. Infelizmente, nesse país, um dos únicos movimentos que faz luta permanente é o MST e a Via Campesina. E o Brasil de Fato tem o compromisso de cobrir as lutas de todos os movimentos sociais que fazem luta nesse país. Da mesma forma, damos cobertura ao Chávez. Entendemos que o processo de transformação da Venezuela, apesar de ter suas contradições, é muito interessante e, por isso, temos correspondente lá, assim como temos correspondente no Paraguai e na Bolívia. Isso porque queremos mostrar ao povo brasileiro estas experiências de governos progressistas e que estão fazendo processos interessantes de transformação no nosso continente. O jornal reflete e procura pautar todos esses espaços onde lutas e processos de transformação estão acontecendo. Por isso, essas críticas são tranquilas. Claro que na esquerda há companheiros e companheiras que veem o processo na Venezuela com outros olhos, mas entendemos que o governo venezuelano tem tido vários avanços e utilizado o Estado para melhorar as condições de vida daquele povo. Isso é pauta permanente para nós.
IHU On-Line – Em tempos midiáticos e de informações on-line (sítios, blogs, twitter), o formato jornal impresso não estaria ultrapassado?
Nilton Viana – Não. Essa discussão sobre a questão dos meios de comunicação é muito interessante, mas eu não vejo o jornal impresso como algo ultrapassado. Talvez porque as pesquisas e todos os indicadores mostram que alguns leitores ainda têm dificuldades com a internet, com leituras na internet de textos reflexivos e longos. A internet serve muito para comunicação rápida, para fazer a cobertura factual, mas não para textos mais densos, analíticos. Tanto é verdade isso que os grandes meios da burguesia não abriram mão do jornal impresso e o Brasil de Fato, por mais que seja semanal, procura contextualizar as situações de forma mais analítica, dando elementos para que nossos leitores sejam capazes de criticar e fazer reflexões sobre a sua própria realidade, além de fazer comparações com outros meios.
Os meios burgueses usam uma tática interessante de diagramação: por exemplo, quando fazem reportagens ligadas aos movimentos sociais, colocam na mesma página outras questões ligadas à editoria de Polícia. Isso porque o olhar desses jornais é de que os movimentos sociais são casos de polícia. A própria diagramação é uma forma de passar mensagens para seus leitores.
IHU On-Line – Quais têm sido as grandes dificuldades do jornal Brasil de Fato e os seus grandes avanços?
Nilton Viana – As grandes dificuldades estão ligadas à manutenção de um jornal independente do capital, ou seja, tentar manter uma imprensa sem depender de grandes anúncios (que é o que mantém os grandes jornais). Sabemos que hoje vivemos na ditadura do capital. Se no período da ditadura militar eram colocados sensores dentro das redações para limitar a publicação de matérias, hoje vivemos na ditadura do capital, que nos impõe monopólios a um custo muito alto de impressão e manutenção de equipamento. Assim, a grande dificuldade que encontramos é a de sustentar um meio independente e comprometido com a maioria do povo. Daí, entendemos que quem deve sustentar são os nossos militantes.
IHU On-Line – Qual é o futuro do jornalismo e que perfil de jornalista esse profissional do futuro precisa?
Nilton Viana – Primeiro, a sociedade tem questionado a esse enorme poder controlador da mídia. Há uma tendência natural da sociedade de exigir democratização dos meios de comunicação e, mais ainda, democratização da informação. Hoje, 85% da informação produzida no mundo é produzida pelo centro do Império, os Estados Unidos. Então, penso que, cada vez mais, a sociedade precisa exigir a democratização dos meios de comunicação. Também entendemos que, num processo de transformação, a democratização dos meios de comunicação é fundamental. Se quisermos construir uma sociedade justa, igualitária, é fundamental a democratização dos meios de comunicação. Então, a meu ver, o futuro do jornalista e do jornalismo passa por rever esses elementos. Primeiro, acho que não cabe mais panfletos como a Veja. O grande problema não é se a Veja é de direita, de esquerda ou qualquer outra posição. O grande problema é quando ela mente, omite e manipula grotescamente a informação. Isso presta um desserviço à sociedade, que precisa, cada vez mais, exigir, qualidade da informação, veracidade da informação. Não podemos aceitar esse tipo de jornalismo, pois o futuro deste passa por essa reflexão. Precisamos travar uma luta árdua em torno dessas questões. Os grandes meios são os verdadeiros partidos das elites, porque é através deles que se pauta a agenda pública, se busca recursos públicos etc. Sabemos que precisamos avançar do ponto de vista de esquerda para democratizar os meios de comunicação, assim como o MST rompe com o cerco do latifúndio.
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