quinta-feira, 10 de março de 2011

A força do WikiLeaks. Entrevista especial com Alberto Efendy Maldonado

Julian Assange sequer jornalista é, mas as revelações que tem trazido à tona através do WikiLeaks têm “balançado” o jornalismo de todo o mundo. Afinal, o WikiLeaks suscitou, no mínimo, uma revolução no campo diplomático através da internet. Teria, portanto, iniciado a primeira ciberguerra? Para o professor de comunicação social Alberto Efendy Maldonado, “a cultura colaborativa tem mostrado, nos últimos 16 anos, sua incomensurável força. Hoje ela é um aspecto central dos novos poderes comunicativos e sociais”. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail, Efendy analisa o fenômeno WikiLeaks e as consequências da revelação dos documentos “secretos” do governo estadunidense. “No mundo digital, as condições de construção de hegemonias, constituição de poderes e vitalidade política são distintas, significativamente favorecem a democratização das comunicações”, explicou.

Alberto Efendy Maldonado é graduado em Comunicação Social pela Universidad Central Del Ecuador. É mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Universitat Autònoma de Barcelona. Atualmente, é professor do PPG em Comunicação da Unisinos. Organizou o livro Internet na América Latina (Porto Alegre: Sulina/Unisnos, 2009) e autor de Teorias da Comunicação na América Latina/ Enfoques, encontros e apropriações da obra de Verón (São Leopoldo/RS: UNISINOS, 2001), entre outras obras.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que sinais a comunicação pode absorver do fenômeno WikiLeaks?

Alberto Efendy Maldonado – Os processos de comunicação fluem numa época de mudança profunda de estruturas, possibilidades e configurações. O WikiLeaks mostra ao campo das mídias tradicional, pré-digitalização, pré-internet que os modelos autoritários, concentradores, oligopólicos, controladores e manipuladores de informações e mensagens têm nos contextos atuais configurações, modelos, agires, culturas e realizações que rompem com as lógicas etnocêntricas e excludentes das transnacionais midiáticas comerciais e os governos que as apoiam.
A cultura colaborativa tem mostrado, nos últimos 16 anos, sua incomensurável força. Hoje ela é um aspecto central dos novos poderes comunicativos e sociais. O livro fluxo de mensagens sem censura que pensava Norbert Wiener [1] já na sua “Cibernética Social” da década dos 1950, hoje é uma realidade que vai adquirindo penetração e reconhecimento crescentes.

IHU On-Line – Como sai Obama, o homem da internet, depois das revelações que o WikiLeaks traz sobre a diplomacia estadunidense?

Alberto Efendy Maldonado – Informações que as universidades estadunidenses, ex-combatentes no Afeganistão e no Iraque, meios de comunicação alternativos e redes de solidariedade têm oferecido durante estes anos se confirmam e ampliam. As caretas de Obama e Hilary Clinton caíram nos documentos e ainda mais nas declarações que deram na sua “defesa”. Fica claro aquilo que os pensadores e pesquisadores críticos do mundo argumentaram desde o surgimento do “fenômeno” Obama, ele responde a um sistema (conjunto de sistemas, complexo militar industrial, etc.) que o escolheram por ser adequado à conjuntura. Para os migrantes nos EUA, os anos Obama têm sido muito mais repressivos do que a era Bush.

IHU On-Line – Podemos dizer que o WikiLeaks abre portas para uma nova revolução tecnológica?

Alberto Efendy Maldonado – A necessidade de se proteger dos ataques do Complexo Militar Industrial; de continuamente ter que reconfigurar, reconstruir, fragmentar, criptografar; e o caráter subversivo da ordem informativa transnacional e política mostra que a desestabilização dos logos neoliberais, neoconservadores e as propostas de novos fluxos e processos expressam formas renovadoras do agir informativo, o livre fluxo aberto atenta contra a continuidade da concentração dos poderes midiáticos em poucas famílias e empresas no mundo. As técnicas, engenharias e as comunicações se reconstituem quando processos desse tipo ganham força e penetração social.

IHU On-Line – O que há de mais comprometedor no WikiLeaks?

Alberto Efendy Maldonado – A possibilidade de quebrar a hegemonia informativa e a concretização de formas de democracia comunicativa. O agir colaborativo orientado para questionar os poderes autoritários contemporâneos. O questionamento do jornalismo subserviente e estandardizado. Saber que em todos os lugares do mundo têm pessoas, em especial jovens, que doam suas vidas pela verdade.

IHU On-Line – O que os ataques contra o WikiLeaks pelos governos demonstram sobre a relação da política e o ciberespaço?

Alberto Efendy Maldonado – A miséria espiritual das elites que controlam os sistemas políticos, informativos, militares e financeiros, em especial o degradado império estadunidense. No mundo digital, as condições de construção de hegemonias, constituição de poderes e vitalidade política são distintas, significativamente favorecem a democratização das comunicações.

IHU On-Line – O que as revelações do WikiLeaks podem significar para a América Latina?

Alberto Efendy Maldonado – Um elemento a favor para continuar trabalhando por uma postura unitária independente do poder imperial estadunidense. Esses documentos têm que ser disponibilizados para que as mentes sensíveis, éticas e comprometidas evitem ilusionismos com o modelo político estadunidense.

IHU On-Line – Podemos dizer que essa é a primeira guerra na web?

Alberto Efendy Maldonado – Não tivemos uma magnífica batalha quando a internet foi constituída contra a lógica das redes militares e empresariais de controle, vigilância e enriquecimento de poucos. A grande rede colaborativa abriu trilhas para os movimentos de software livre, estes e outros movimentos contribuíram para os Fóruns Sociais. A educação, a ciência, a comunicação intercultural, a existência humana contam com um recurso de extremo valor para as revoluções culturais necessárias.

IHU On-Line – O WikiLeaks cunhou mesmo um novo tipo de jornalismo?

Alberto Efendy Maldonado – Os "novos jornalismos" podem ter no WikiLeaks um referente de cultura Colaborativa/Tornar público que o bom jornalismo cultuou. Trabalhar com fontes múltiplas, proteger as fontes, contrastar, validar, oferecer com um bem simbólico público é um conjunto presente na história jornalística relevante. O que o WikiLeaks traz é uma renovação da valentia revolucionária das gerações que brindaram belas renovações para a humanidade.
Permite-nos refletir sobre a urgência da reconstituição dos formatos e modelos jornalísticos, a necessidade de diálogo com a as lógicas informacionais, superando o ilusionismo mercantil de culto aos suportes técnicos em detrimento da fortaleza tecnológica comunicacional.
Notas:
[1] Norbert Wiener foi um matemático estadunidense que ficou conhecido como o fundador da cibernética. Nasceu no ano de 1894 e morreu aos 69 anos, em Estocolmo. Durante muitos anos, ele trabalhou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde estudou a nova física probabilística e concentrou-se no estudo estatístico do movimento das partículas elementares em um líquido. Quando começou a Segunda Guerra Mundial, ele ofereceu seus serviços ao governo norte-americano e passou a trabalhar com problemas matemáticos referentes a uma arma apontada para um alvo móvel. O desenvolvimento dos sistemas de direção de uma mira automática, seus estudos de física probabilística e seu grande interesse por assuntos que iam desde a filosofia à neurologia apareceram juntos em 1948, quando ele publicou o livro intitulado Cibernética. Wiener morreu em 1964, antes que a revolução do microcomputador começasse. Mesmo assim, ele previu e escreveu sobre muitos dos problemas que iriam surgir nesta nova tecnologia.