terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Os EUA e o mundo: uma história não contada. Entrevista especial com Noam Chomsky

OBSERVE E ANALISE O MAPA ABAIXO RETIRADO DA NET, POR AÍ...
COMO SERÁ QUE OS EUA VÊEM O MUNDO, E COMO O MUNDO VÊ O IMPÉRIO LIDEÁDO POR OBAMA?
NESTA ENTREVISTA, CHOMSKY RELATA UMA MANEIRA DE VER O IMPÉRIO NORTE-AMEIRCANO NO MUNDO:
Em uma entrevista contundente e incisiva, o linguista, filósofo e ativista político estadunidense, Noam Chomsky, falou por telefone com a IHU On-Line sobre a influência dos Estados Unidos em importantes eventos históricos da humanidade, como os golpes militares na América Latina e os assassinatos dos seis jesuítas em El Salvador, em 1989. Sobre esse episódio, Chomsky destaca que “o assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Oscar Romero, praticamente pelas mesmas mãos. Nesse período, foram mortas cerca de 70 mil pessoas, geralmente pelas forças de segurança apoiadas pelos EUA”. Ao questionar o silêncio histórico que se fez sobre o fato, Noam Chomsky explica que “a razão é muito simples: trata-se de um crime; crimes desse tipo são expurgados, eles não aconteceram”. Chomsky também faz uma longa e crítica análise do primeiro ano do governo de Barack Obama, e não suaviza seu posicionamento. Para ele, a principal “realização” de Obama tem sido a de “pagar uma fiança colossal para salvar os bancos. Os grandes bancos agora têm lucros maiores do que tiveram no passado e pagam bônus enormes a seus gestores”. Chomsky lembra que os bancos tinham destruído o sistema financeiro e que a medida de Obama “os livrou com dinheiro e os reconstituiu, de modo que agora são maiores do que antes”. E alerta: “a não ser que haja alguma significativa regulamentação, o que parece bastante improvável, está se estabelecendo a base para a próxima crise financeira, até pior que a que acaba de ocorrer”. Noam Chomsky nasceu na Filadélfia, Estados Unidos, em 1928. É professor de Linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Seu nome está associado à criação da gramática generativa transformacional, abordagem que revolucionou os estudos no domínio da linguística teórica. É também o autor de trabalhos fundamentais sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais. Além da sua pesquisa e ensino no âmbito da linguística, Chomsky é também conhecido pelas suas posições políticas de esquerda e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos. Chomsky descreve-se como um socialista libertário.
Sua página pessoal na internet é http://www.chomsky.info/ Por Graziela Wolfart. Tradução de Walter Schlupp Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o primeiro ano de governo de Barack Obama? Quais suas principais realizações, avanços e retrocessos? Noam Chomsky - A principal realização tem sido a de pagar uma fiança colossal para salvar os bancos. Os grandes bancos agora têm lucros maiores do que tiveram no passado e pagam bônus enormes a seus gestores. Basicamente, eles tinham destruído o sistema financeiro; aquela medida os livrou com dinheiro e os reconstituiu, de modo que agora são maiores do que antes. A não ser que haja alguma significativa regulamentação, o que parece bastante improvável, está se estabelecendo a base para a próxima crise financeira, até pior que a que acaba de ocorrer. O governo anunciou a sua política de seguros, chamada de “Grande demais para falir”, o que significa: se você for um banco realmente grande, como a Goldmann & Sachs, não vamos deixar você falir. Então, o contribuinte pagará a sua fiança salvadora, você pode assumir grandes riscos ao emprestar e investir, fazer muito lucro, sem se preocupar se tudo for mal. Isto continua igual. Esta é a principal realização do governo federal. É uma das razões para a considerável indignação prevalente no país. Os bancos estão sendo salvos com dinheiro público, estão enriquecendo, e se tornando os responsáveis pela crise econômica. Bem, pelo menos para a população a crise econômica está crescendo. Desemprego Atualmente, os dados oficiais são de que mais de 10% da população está desempregada – a realidade naturalmente é mais elevada e a indústria de fábricas, onde as pessoas ganham empregos dignos, está passando por uma grande depressão. Uma em cada seis pessoas está desempregada, e as chances de conseguir um emprego não são boas, já que as bases da manufatura estão solapadas. Obama deu, sim, um incentivo que reduziu o efeito da perda de emprego até certo ponto, mas é muito pequeno para produzir alguma diferença perceptível. As pessoas quase não se dão conta deste incentivo. Mas surtiu algum efeito. Isto foi na questão econômica.
"Em nível internacional (...) Obama está dando seguimento aos programas de Bush, seguindo a mesma política contra o Iraque, onde intensificou a guerra, bem como no Afeganistão e Paquistão" Sistema de saúde Por outro lado, ele apresentou um projeto de lei para a reforma do sistema de saúde, mas deixou isso nas mãos do Congresso, onde tem sido gradativamente desbastado pelas seguradoras, instituições financeiras, indústria farmacêutica, de modo que sobrou muito pouco do projeto de lei. Talvez nem passe, e se passar, será por cima das objeções da maioria da população. A essas alturas, a maioria da população é contra essa reforma do sistema de saúde, e o motivo para tanto é que ela não vai longe o suficiente. Uma maioria considerável da população está a favor de se permitir uma opção pública, um sistema público de saúde paralelo ao sistema privado. Esta opção foi para a cucuia. Uma grande maioria é a favor de permitir pessoas mais jovens, de 55 anos para cima, em vez de acima de 65 anos, entrar no sistema nacional de saúde limitado para os ricos. Também uma grande maioria, cerca de 85%, opõe-se a à regulamentação que impede o governo de negociar preços de medicações. Penso que os Estados Unidos são o único país no mundo onde isto acontece.
"O sistema de saúde dos Estados Unidos é totalmente disfuncional; (...) é distribuído segundo a riqueza"
Obama informou os bancos de que ele manteria isto. Portanto, é algo que talvez seja aprovado; mas não será muito, e este é um assunto muito sério. O sistema de saúde dos Estados Unidos é totalmente disfuncional; funciona bem para gente como eu, para pessoas relativamente privilegiadas. O sistema de saúde é distribuído segundo a riqueza, basicamente. Os custos da assistência médica, per capita, são cerca de duas vezes mais elevados que em países industrializados, e apresenta um dos piores resultados. Isto porque em grande parte é privatizada, não-regulamentada. Isto cria muita ineficiência, custos, burocracia, etc. Os custos também estão subindo muito rapidamente. As previsões são de que isto basicamente vai sobrepujar a economia, não muito longe no futuro. Praticamente todo o déficit orçamentário será acarretado pelo sistema de saúde. Estávamos falando em reduzir o déficit, mas isto não vai acontecer, a não ser que o sistema de saúde seja sanado – o que não é o caso. Política internacional: na linha de Bush Em nível internacional, nada digno de nota, basicamente Obama está dando seguimento aos programas de Bush, seguindo a mesma política contra o Iraque, onde intensificou a guerra, bem como no Afeganistão e Paquistão. O número de ataques em solo, o que equivale a assassinatos, aumentou muitíssimo. Em outras áreas, na América Latina, ele apoiou o golpe de estado em Honduras e os Estados Unidos são um dos poucos países que reconheceram a eleição lá. O governo Obama praticamente ridicularizou o restante do hemisfério por este viver um mundo de realismo mágico – como formulou o representante na OEA – e não a realidade, ao negar-se a aceitar o golpe. O governo Bush tinha reativado a Quarta Frota Naval, que cobre as águas sul-americanas e caribenhas. Obama apoiou isto, conseguiu duas novas bases navais para ela no Panamá. E continuam estabelecendo novas bases militares, acordadas com a Colômbia, com planos bem dispendiosos de monitoramento de boa parte do hemisfério sul. Quanto a Israel e a Palestina, que é um problema importante, Obama basicamente nada fez. Ele apenas fez algumas pequenas críticas, mas essencialmente informou Israel de que pode ir em frente com as construções ilegais nos territórios ocupados, todas ilegais, todo mundo sabe disso. Essa conversa de negociações, ninguém sabe exatamente o que é. Antes de se eleger, no fundo, ele apoiou o ataque a Gaza e a manutenção do grave bloqueio militar sobre Gaza.
"Praticamente todo o déficit orçamentário será acarretado pelo sistema de saúde"
Quanto ao resto do mundo, ele tem considerado a possibilidade de negociar com o Irã, o que é mais do que o governo Bush estava disposto a fazer. Por outro lado, é muito claro que não vão chegar a lugar algum. Há a questão de o Irã não satisfazer todas as condições impostas pelo Conselho de Segurança da ONU e a Agência Internacional de Energia Atômica. Isto é verdade, eles não cumpriram todas as condições. Entretanto, o que menos se discute é o status dos três países que nunca assinaram o tratado de não-proliferação: Israel, Índia e Paquistão. O governo Obama continua advogando a posição de que eles estão isentados das regras do Conselho de Segurança e da Agência Internacional de Energia Atômica. Em outubro, a AIEA aprovou uma resolução cobrando de Israel que entrasse no tratado de não-proliferação e abrisse suas instalações para inspeção. Os Estados Unidos e a Europa tentaram bloquear essa resolução, mas ela foi aprovada mesmo assim. O governo Obama imediatamente disse a Israel que eles não precisavam dar qualquer atenção a isso, que estão isentados. A mesma coisa com a Índia, que está desenvolvendo suas armas atômicas com ajuda dos Estados Unidos. O Conselho de Segurança conclamou todos os estados, particularmente a Índia, a assinar o tratado de não-proliferação. A Índia reagiu, anunciando que agora consegue produzir armas nucleares com a mesma potência que as superpotências EUA e Rússia. E os EUA, a administração Obama, imediatamente informaram a Índia de que não precisam se preocupar com a resolução do Conselho de Segurança. A mesma coisa com o Paquistão. Nesse contexto, fica bem claro que a ONU não vai fazer qualquer coisa fora do comum para impor suas condições.
IHU On-Line – Mudando um pouco de assunto, como o senhor analisa o assassinato dos mártires de El Salvador em 1989 e o silêncio que se fez sobre esse episódio? Noam Chomsky - Foi espantoso, isso. Em novembro passado foi o vigésimo aniversário de dois eventos importantes acontecidos em novembro de 1989: um foi a queda do muro de Berlim, outro foi o assassinato dos jesuítas. Novas informações apareceram em outubro de 2009, mas foram totalmente ignoradas. O jornal espanhol El Mundo publicou o documento que pedia o assassinato, assinado pelo Chefe do Estado Maior, Rene Emilio Ponce, e por outros altos oficiais. Isto já tinha sido suspeitado, mas agora havia o documento em si, com comentários escritos à mão e as assinaturas. Isto faz com que seja quase impossível que a embaixada americana e o Pentágono nada soubessem a respeito. Além disso, o assassinato foi executado por uma brigada de elite, a brigada Atlacatl, que já tinha matado milhares de pessoas. Eles acabavam de chegar do treinamento na Escola de Forças Especiais J. F. Kennedy em Fort Bragg poucos meses antes, e poucos dias antes do assassinato houve delegação de forças e oficiais especiais que foram a El Salvador para treinamento adicional. Portanto, tinham acabado de receber treinamento por forças especiais americanas. Isto, portanto, torna ainda menos provável que o fato fosse desconhecido. Ou seja, foi algo solenemente ignorado. Mas isto não é nada. O assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Oscar Romero, praticamente pelas mesmas mãos. Nesse período, foram mortas cerca de 70 mil pessoas, geralmente pelas forças de segurança apoiadas pelos EUA.
"O assassinato dos jesuítas essencialmente finalizou uma década em El Salvador, a qual havia iniciado com o assassinato do arcebispo Romero, praticamente pelas mesmas mãos"
Além disso, o assassinato dos jesuítas foi um golpe letal ou ao menos muito sério no que ainda restava da teologia da libertação. Isto é de considerável importância. A teologia da libertação deslanchou após o Vaticano II, sob o comando do papa João XXIII, em 1962. Este foi um momento crucial na história. Foi a primeira vez que a Igreja tentou voltar aos evangelhos, para a Igreja pré-constantina. Nos primeiros séculos, o cristianismo era basicamente uma religião de um pastor radical, perseguida. Mas o imperador Constantino, no século IV, assumiu o cristianismo e o transformou na Igreja do Império Romano. Hans Küng, um teólogo bem conhecido, formulou da seguinte maneira: de uma Igreja de perseguidos, a Igreja passou a ser uma Igreja de perseguidores. E em grande parte tem sido isso mesmo, até chegar ao papa João XXIII e o Concílio Vaticano II, que inspirou bispos latino-americanos a empreender a opção preferencial pelos pobres, como nos evangelhos; e o resto da história vocês conhecem: padres, freiras, leigos tentaram organizar camponeses, criaram grupos de leitura bíblica, tomar algumas iniciativas, para que as pessoas tivessem seus destinos nas próprias mãos. Golpes de estado na América Latina: efeito dominó Isto desencadeou o pior período de repressão na história do continente. Os EUA foram muito claros: não vamos tolerar isto. O primeiro passo foi o golpe de estado no Brasil. Foi planejado sob o governo Kennedy e executado pouco depois do seu assassinato. Isto estabeleceu o primeiro dos estados de segurança nacional na América Latina. O embaixador de Kennedy o chamou de "a maior vitória da liberdade em meados do século XX"; ele também acrescentou que isto melhoraria as perspectivas para investimentos americanos. Como o Brasil é um país importante, logo depois outras peças do dominó começaram a cair. Houve um golpe no Chile, o golpe de Pinochet, e continuou um país atrás do outro, finalmente chegando à Argentina, talvez o pior de todos os golpes, com forte apoio de Reagan. Depois, a praga se espalhou para a América Central nos anos 1980, com centenas ou milhares de pessoas sendo mortas. Grande parte do mundo estava voltada contra a Igreja. Havia muitos assassinatos, como o do arcebispo Oscar Romero e também os seis jesuítas, terminando basicamente em 1989. Esta é uma parte bastante importante da história do mundo – e não há nenhuma memória a este respeito, nada. A razão é muito simples: trata-se de um crime; crimes desse tipo são expurgados, eles não aconteceram. "O assassinato dos jesuítas foi um golpe letal ou ao menos muito sério no que ainda restava da teologia da libertação" Podemos ficar muito empolgados com a derrubada da tirania soviética. Falou-se muito, em novembro passado, de que foi um triunfo do amor, da não-violência, que a mensagem para o mundo é não-violência, etc. É a mensagem para o mundo quando se olha para o Leste da Europa, mas não é a mensagem para o mundo quando se olha para a América Latina. E a coincidência do assassinato dos jesuítas e a queda do muro é um lembrete contundente neste sentido, de que foi totalmente suprimido, da mesma forma como o resto do que acabei de dizer.
IHU On-Line - Podemos estabelecer alguma relação entre o exército de El Salvador de 1989 e o exército de Honduras atualmente? Noam Chomsky - Na verdade não sei. Talvez. Certamente o Pentágono está pesadamente envolvido em ambos. Os principais oficiais do exército hondurenho em sua maioria são treinados na Escola das Américas, que é a outra escola que treina oficiais latino-americanos, assassinos latino-americanos; há conexões muito estreitas com o Pentágono, e naturalmente isto também vale para El Salvador. É perfeitamente possível que haja coordenação via EUA, mas não sei de nenhuma evidência direta neste sentido. Um elemento no golpe em Honduras, presumo, é que ali se encontra uma base aérea importante usada pelos EUA, a base aérea de Pomarola, que desempenhou um papel crucial durante a guerra dos EUA contra a Nicarágua nos anos 1980. Foi a base chamada de "porta-aviões inafundável" para os "contras" baseados em Honduras atacarem a Nicarágua. É difícil imaginar que não haja coordenação entre os exércitos centro-americanos. Mas não posso afirmar que haja evidência concreta disso.
IHU On-Line - Qual a importância que o senhor atribui ao Fórum Social Mundial e que avaliação faz do evento em função de seus 10 anos? Por que o senhor não veio para esta edição? Noam Chomsky - Eu fui a várias edições nos primeiros anos. Nos últimos anos tenho tido problemas pessoais. Houve três anos em que não conseguia viajar de forma alguma, tinha que ficar em casa. Este ano estive irremediavelmente envolvido em outras coisas. Mas penso que é um evento extremamente importante. Quando estive lá, 8 ou 9 anos atrás, sugeri que o Fórum era a semente para a primeira Real Internacional verdadeira, e continuo pensando assim. Sua influência agora se espalha pelo mundo todo, há fóruns sociais regionais e locais. Temos um em Boston. Minha sensação é de que nenhuma contribuição que eu poderia dar agora teria importância comparável à que porventura a de anos atrás teve – não sei se teve ou não, e estive muito contente em estar lá. Acho que há coisas que posso fazer na mesma linha, talvez mais importantes. Em todos os casos, o que está acontecendo é extremamente importante, também para o Brasil. Por exemplo, a questão dos direitos fundiários no Brasil é extremamente séria. Poucos passos de menor importância foram dados durante os anos de Lula, mas não é muita coisa. E o efeito do que foi feito não é tão positivo assim. Há muitos outros problemas ainda na América Latina e em outros lugares. Portanto, o Fórum preserva sua significação. Penso que difundiu sua influência, que tem sido uma influência muito positiva sobre as lutas sociais em todo o mundo, e espero que continue neste sentido. "Os principais oficiais do exército hondurenho em sua maioria são treinados na Escola das Américas, que é a outra escola que treina oficiais latino-americanos, assassinos latino-americanos"
IHU On-Line - O senhor gostaria de acrescentar mais algum comentário?
Noam Chomsky - Há coisas importantes acontecendo. Veja os próprios EUA. Não sei até que ponto isto foi veiculado no Brasil, mas quinta-feira passada (dia 21-01) a Suprema Corte tomou uma decisão extremamente importante: que corporações que já têm uma influência avassaladora no sistema político, agora podem gastar dinheiro livremente nas eleições para apoiar candidatos. Isto virtualmente significa que as corporações podem comprar as eleições. Trata-se de um golpe gravíssimo contra o que resta da democracia funcionando. E é muito difícil ver como isto poderá ser revogado. Isto anula precedentes de um século, que pelo menos colocavam algum limite no custeio corporativo de eleições. Basicamente é um convite para as corporações praticamente partirem para o suborno. Em vez de comprar um legislador na Casa Branca indiretamente, eles podem fazê-lo diretamente.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

''O crescimento dever ser um instrumento para o desenvolvimento''. Entrevista especial com Marina Silva

OLÁ GALERA... CHEGAMOS A 2010... ANO ELEITORAL... COPA DO MUNDO... AQUECIMENTO GLOBAL.... SUSTENTABILIDADE...
OS TEMAS SERÃO MUITOS....
Antes de subir no palco do Anfiteatro Pe. Werner da Unisinos, na tarde do último dia 27 de janeiro, para participar do 4º Seminário de Políticas Sociais, atividade organizada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, e integrada ao Fórum Social Mundial 2010, a senadora e pré-candidata à presidência da República pelo Partido Verde – PV, Marina Silva, aceitou conceder a entrevista que segue à IHU On-Line. Nela, ela fala sobre a usina hidrelétrica de Belo Monte, sobre sua pré-candidatura à presidência, sobre o PV e o PSOL, sobre as prioridades para o Brasil, entre elas a proposta de melhor explorar o potencial ambiental do país, e sobre meio ambiente e sua relação com o crescimento econômico. Para a senadora, “é preciso requalificar essa história de crescimento pelo crescimento. O crescimento não é um fim em si mesmo. Ele é uma ferramenta, um instrumento para o desenvolvimento. E o desenvolvimento que nós advogamos é aquele que seja sustentável em todos os aspectos: econômico, ambiental, social e cultural”. Em sua palestra, Marina Silva falou ao lado do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, sobre o papel público das políticas na garantia dos direitos sociais. Marina Silva está em seu segundo mandato no Senado Federal, com duração até 31 de janeiro de 2011. De janeiro de 2003 a maio de 2008, foi ministra do Meio Ambiente do governo Lula, de onde saiu no dia 13 de maio de 2008. Atualmente, Marina Silva participa como membro titular das comissões de Meio Ambiente, e de Constituição e Justiça e preside a subcomissão temporária do Fórum das Águas das Américas e do Fórum Mundial das Águas. Graduada em História, foi também professora, líder estudantil, sindical, vereadora e deputada estadual, além de ter cursado pós-graduação em Psicopedagogia. A biografia de Marina Silva fez com que ela fosse escolhida pelo jornal britânico The Guardian, em 2007, uma das 50 pessoas em condições de ajudar salvar o planeta. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como sente as críticas feitas a você em relação a sua posição sobre Belo Monte? Marina Silva – Primeiro é preciso saber a natureza das críticas. Porque, se é em relação a uma declaração que foi atribuída a mim em um jornal de circulação nacional, não condiz com a verdade. Quando eu me referi aos aproveitamentos hídricos da Amazônia eu estava falando de um modo geral, não especificamente em Belo Monte. Então, foi feita uma certa inflexão no sentido de colocar na minha boca algo que eu não disse. Logo, as críticas no mínimo foram injustas.
IHU On-Line - Mas então qual é a sua posição sobre Belo Monte? Marina Silva – A minha posição em relação à Belo Monte é de que não teve um processo transparente até agora, que as comunidades não foram ouvidas - pelo menos eles estão dizendo que não foram ouvidos adequadamente. O Brasil ratificou a convenção 169, que pressupõe a audiência correta das comunidades indígenas, e isso não foi feito. Um empreendimento dessa magnitude não pode acontecer sem uma forte participação da sociedade. Então, a minha posição em relação à Belo Monte é de que o licenciamento, desde o início, negou a complexidade do empreendimento, mesmo que tenham sido feitos estudos para reposicioná-lo, ainda está muito aquém daquilo que os segmentos envolvidos, sobretudo as populações locais, gostariam que estivesse: o plano de desenvolvimento para a área de abrangência, a auscultação correta das comunidades. Agora, em relação à viabilidade ou não do empreendimento, isso é algo que se discute no mérito. E daí os licenciadores e o governo, que estão à frente do processo, têm que analisar a viabilidade ambiental, a viabilidade técnica e a oportunidade de conveniência. E como eu não sou o governo, não tenho condição de aferir, nesse momento, os processos que estão em curso. "O Brasil é uma potência ambiental e tem que fazer jus a isso"
IHU On-Line – Pensando na sua eleição como presidente do Brasil. Quais seriam suas primeiras medidas, nos primeiros 100 dias? Quais suas principais metas e prioridades? Marina Silva – Com certeza, acho que seria precipitado alguém que está na condição de pré-candidata já ficar falando em primeiros cem dias. Mas isso faz parte da alimentação do sonho.
IHU On-Line – Mas na sua visão o que é mais urgente para o Brasil? Marina Silva – O que é mais urgente para todos os brasileiros é que esse país assuma o que ele é. O Brasil é uma potência ambiental, tem que fazer jus à potência ambiental que é. Para isso, é preciso que faça os investimentos corretos, para que a potência econômica que se avizinha – estão dizendo que, em breve, o Brasil será a quinta potência econômica do mundo – seja algo a ser compatibilizado em termos mais felizes, mais cuidadosos, com a saúde, com a educação, com a cultura, com a diversidade e com a proteção dos recursos naturais. "O que é mais urgente para todos os brasileiros é que esse país assuma o que ele é. O Brasil é uma potência ambiental, tem que fazer jus à potência ambiental que é"
IHU On-Line - Como você pretende tratar na sua campanha da conciliação entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável? Marina Silva – Primeiro, é preciso requalificar essa história de crescimento pelo crescimento. O crescimento não é um fim em si mesmo. Ele é uma ferramenta, um instrumento para o desenvolvimento. E o desenvolvimento que nós advogamos é aquele que seja sustentável em todos os aspectos: econômico, ambiental, social e cultural. Essa tradução será feita progressivamente, na mudança de paradigma da relação das indústrias com os recursos naturais, com o uso de novas tecnologias, que possam ser menos poluentes, que possam contaminar menos, que assumam esse papel da responsabilidade social e ambiental. Na agricultura também, que possamos ter uma produção sustentável, evitando os processos extensivos, lançando mão de práticas e tecnologias que nos levem a menos destruição das florestas, da biodiversidade, à maior preservação dos rios e córregos, até porque as catástrofes ambientais que estão acontecendo, prejudicando a economia e ceifando vidas, tem muito a ver com esse modelo predatório.
IHU On-Line – E como você vê a questão do carbono zero? Marina Silva – Nós trabalhamos com a ideia da economia de baixo carbono. Essa é uma economia que, infelizmente, ainda não temos em nenhum lugar do mundo. Portanto, todos estamos no páreo para dar uma contribuição. E o Brasil talvez seja o país que reúne as melhores condições, pois tem um potencial enorme para fontes de energia limpa e segura, e isso já é uma vantagem e um diferencial em relação até mesmo aos países desenvolvidos. O Brasil tem milhões de hectares de área agricultável, em condições de ter uma produção agrícola altamente significativa, sem precisar destruir as suas florestas, seja o Cerrado, a Caatinga, a Mata Atlântica e a Amazônia. Então, o Brasil é o país que pode investir muito fortemente na economia de baixo carbono, desde que faça os investimentos corretos, no tempo correto e que tenha visão. Tendo a visão, podemos estabelecer os processos; tendo a visão e os processos, vamos, aos poucos, criando as estruturas e, com certeza, uma parte desta estrutura o Brasil já tem. Porque ele se difere de outros países que podem até ter a vontade, mas não têm os recursos naturais. O Brasil tem um grande potencial para a produção de energia de biomassa, energia solar, eólica, sem falar no grande potencial de hidroeletricidade que, se trabalhado corretamente, com os planos de desenvolvimento sustentável para a área de abrangência dos investimentos, é possível fazer esses aproveitamentos. Claro que temos um olhar panorâmico para o conjunto, e depois um olhar específico para cada empreendimento, para evitar injustiças e danos ambientais. "As catástrofes ambientais que estão acontecendo, prejudicando a economia e ceifando vidas, tem muito a ver com esse modelo predatório"
IHU On-Line - Como você se posiciona em relação às alianças políticas do PV e à perda do apoio do PSOL à sua candidatura? Marina Silva – Em primeiro lugar, o PV não tem alianças políticas ainda. O PSOL era uma negociação que vinha sendo feita, sabendo que havia dificuldades. Não é uma perda, porque não tinha ainda uma aliança. Era uma conversa que existia. E nós já sabíamos que havia dificuldade de parte a parte, não só da parte do PSOL com o PV, mas também da parte do PV com o PSOL. O que havia era uma grande vontade minha e da senadora Heloisa Helena de ficarmos juntas. Mas nós ficaremos juntas independentemente da aliança, porque eu vou apoiá-la lá em Alagoas.