domingo, 29 de novembro de 2009

Fórum Social Mundial: limites e possibilidades. Entrevista especial com José Rogério Lopes

Organizado por movimentos sociais de diversos continentes, objetivando elaborar alternativas para a transformação social global, o Fórum Social Mundial retorna a Porto Alegre em janeiro, onde celebrará seus 10 anos. A Agenda Mundial das Políticas Sociais será definida ao final do evento, e apresentará as principais mobilizações mundiais de movimentos sociais e de organizações contra a globalização neoliberal. É sobre estes assuntos que o professor José Rogério Lopes concedeu entrevista à IHU On-Line.
Na conversa, José Rogério trata dos eixos temáticos que irão compor a agenda e das mudanças no campo das políticas sociais nesta última década. “O campo das políticas mudou. Era um campo antes marcado por um incrementalismo, em razão de modelos de desenvolvimento que cada Estado pressupunha, e hoje é negociado em escalas diferentes, de locais a globais, em um movimento internacionalizado, onde o que conta é o campo de negociação que se consegue estabelecer e o tipo de outorgamento que permite dentro das condições que cada Estado possui”, explica. O professor fala, ainda, sobre as possibilidades e limites da Agenda e do Fórum. “Há possibilidades, especificamente, enquanto um campo de formações sociais, que explicitam algumas qualidades das ações coletivas contemporâneas, sobretudo a perspectiva de agregação de interesses no campo da diversidade e da pluralidade”, diz.José Rogério Lopes é graduado em Pedagogia pela Universidade de Taubaté.
É mestre e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Atualmente, é professor titular do PPG em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, RS. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Urbana, e em Políticas Públicas, atuando principalmente nos seguintes temas: identidade, imagética religiosa, devoções populares, pobreza, processos de exclusão e cidadania.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por onde vão os eixos da Agenda Mundial das Políticas Sociais, atualmente?
José Rogério Lopes – Os eixos da Agenda Mundial já estão definidos desde 2003, quando aconteceu o III Seminário de Políticas Sociais no quadro do Fórum. Ela remete, basicamente, a quatro eixos norteadores. Um deles diz respeito a um campo de agregação de ações em torno da defesa da paz mundial, que visa evitar certos sinais de destruição, de guerras e outros fenômenos mundiais de risco social. Um segundo eixo trata da articulação de ações em torno da viabilização de novas políticas públicas. Um terceiro, tenta estabelecer uma rede dessas ações em torno da defesa das políticas, e um quarto aspecto, ainda, irá trabalhar com a dimensão de articulação de propostas que visem colocar a economia a serviço da sociedade, e não, do ponto de vista atual, interferindo no campo da soberania das ações.
IHU On-Line – Quais são as possibilidades e limites de uma Agenda mundial e do Fórum Social depois de analisar todas suas edições?
José Rogério Lopes – Há possibilidades, especificamente, enquanto um campo de formações sociais, que explicitam algumas qualidades das ações coletivas contemporâneas, sobretudo a perspectiva de agregação de interesses no campo da diversidade e da pluralidade. Mas, ao mesmo tempo, se colocam algumas dificuldades que são inerentes a esse conteúdo das diversidades, que opera dentro do Fórum, sobretudo pelo fato de que, agregando ações e demandas de sociedades inseridas de formas muito diferentes no sistema econômico mundial, apresentarão desníveis de operacionalização. Esse é o grande aspecto a se considerar. Esses desníveis recolocam algumas ações ou demandas da perspectiva daquilo que o próprio Fórum Social se propõe contrapor, que é a divisão atual do mundo em sociedades centrais e periféricas. De certa maneira, as demandas também estão colocadas desta forma dentro do Fórum Social e isso é algo que precisa ser trabalhado.
IHU On-Line – O que mudou no campo das políticas sociais depois de 10 anos do Fórum Social Mundial?
José Rogério Lopes – Mudou, basicamente, o fato de que essas ações coletivas, que vão se internacionalizando e convergindo para eventos como o Fórum Social Mundial, criam um campo diferente de negociação das demandas, de transformação das necessidades sociais em demandas políticas. Só que, ao fazer isso, o processo de outorgamento que ocorria antes, como um princípio mais arraigado em cada nação, também vai se internacionalizando e se move entre escalas diferentes, das locais para as globais. O Estado também se modifica no sentido de participar desta negociação, e ao fazer isso, desenvolve estratégias e mecanismos de apropriação destas demandas, e muitas vezes de transformação dessas demandas em suas próprias políticas. O campo das políticas mudou. Era um campo antes marcado por um incrementalismo, em razão de modelos de desenvolvimento que cada Estado pressupunha, e hoje é negociado em escalas diferentes, de locais a globais, em um movimento internacionalizado, onde o que conta é o campo de negociação que se consegue estabelecer e o tipo de outorgamento que permite dentro das condições que cada Estado possui.
IHU On-Line – Que desafios permanecem?
José Rogério Lopes – Basicamente os mesmos, mas em uma escala diferenciada. Hoje há uma desigualdade social, não só de renda, mas também de conhecimento, na medida em que o mundo está divido entre centros orgânicos, que são capazes de inovação, e periferias e semiperiferias que se caracterizam pela capacidade de apropriação ou de não ter capacidade nenhuma, nem de apropriação, nem de inovação. Há uma grande desigualdade de conhecimento. Dentro deste processo, que revigora a desigualdade de renda, revigoram outros modelos de desigualdade, como, por exemplo, de desenvolvimento de modelos educacionais, culturais e da consolidação de um pluralismo político, que favoreça a abertura de canais de participação da população e fortalecimento da sociedade civil. Isso vai se tornando hoje, em uma escala internacional, um problema muito sério no sentido de que os Estados não têm mais capacidade de atuar diretamente sobre isso de forma soberana. Então se mudam essas escalas, mas as desigualdades se projetam, ainda, mais ou menos, nas mesmas esferas que vinham se apresentando há umas duas décadas.
IHU On-Line – Quais as possibilidades de um protagonismo da sociedade civil em um tempo de protagonismo hegemônico dos governos, especialmente no campo das políticas sociais?
José Rogério Lopes – Hoje, pode-se dizer que é um momento de tensão entre essas possibilidades, delas emergirem, consolidarem-se ou não. Basicamente, porque boa parte dos governos democratas que existem no mundo hoje é exercida por segmentos de sujeitos que vieram dos movimentos reivindicatórios de décadas atrás. As pessoas que estavam no movimento, hoje estão na gestão, e boa parte delas, justamente porque conhecem esse caráter do movimento e participaram dele por muito tempo, tem legitimação para atuar e negociar com as demandas existentes. Isto faz com que o protagonismo esteja na mão da chamada nova esquerda democrática, e não necessariamente na sociedade civil, que frente a essa possibilidade da emergência dos novos atores remodelarem o princípio do Estado, ficam em suspensão, aguardando a ação dos gestores, para ver o rumo que as coisas vão tomar.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Guerra do Afeganistão falhou desde o começo, afirma eticista

O eticista da Duke University Stanley Hauerwas, que se diz um cristão pacifista, é um especialista em teoria da guerra justa [1]. Segundo Hauerwas, não foram apenas as guerras no Iraque e no Afeganistão que não cumpriram os critérios de uma guerra justa [2], mas também a Segunda Guerra Mundial.
Agora, como o governo Obama avalia suas opções no Afeganistão, Hauerwas, 69, continua decididamente pessimista não apenas com relação às perspectivas norte-americanas, mas também com a moral norte-americana.A reportagem é de Kevin Eckstrom, publicada nos sítios Religion News Service e National Catholic Reporter, 10-11-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que o presidente Obama deveria fazer com relação ao Afeganistão?
O Afeganistão foi entendido como parte de uma guerra contra o terrorismo, e esse foi um erro decisivo, porque, tão logo se disse que estávamos em guerra, demos a Osama bin Laden o que ele queria – ele se tornou um guerreiro, não apenas um assassino. Eu ficaria muito mais feliz com uma reconsideração total de nosso envolvimento lá – não apenas como uma guerra, mas como uma função política e como essa política pode intervir para prender Bin Laden. Eu sei que isso parece utópico. Mas tente apenas pensar que vamos vencer a guerra no Afeganistão. Eu não posso imaginar nada mais utópico do que isso. Pergunte aos britânicos. Pergunte aos russos. Isso nunca vai acontecer.Depois de sete anos, a guerra no Afeganistão foi alguma vez uma guerra justa?A guerra no Afeganistão tem a possibilidade de ser limitada de uma forma que pode torná-la um pouco mais justificável, mas ainda não está claro para que estamos lutando. É tão profundamente ambígua que é difícil encaixá-la nos critérios de uma guerra justa. A ideia de que iremos começar a avaliar a justeza de uma guerra depois de ela já estar acontecendo, me desculpe... aí já é muito tarde.
Como você avalia a resposta da Igreja à guerra do Iraque?
Terrível. Os cristãos – e eu comecei com o 11 de setembro, assim que dissemos que estávamos em guerra – disseram: "Somos nós". Nunca nos fizemos as difíceis questões sobre a guerra contra o terror, e foi por isso, acredito eu, que a guerra do Iraque aconteceu. Tem tudo a ver com a inabilidade de distinguir entre o "nós", cristãos, e o "nós", norte-americanos.
Então a Igreja precisa de um ato de arrependimento?
A Igreja perdeu sua habilidade de ser uma comunidade disciplinada porque nós, agora religiosamente, somos um mercado de compras. O cristianismo tem que se vender como algo muito bom para a autorrealização das pessoas, e isso está nos matando, porque não somos muito bons para a autorrealização das pessoas. Somos bons para a salvação das pessoas, o que não é a mesma coisa. Ainda bem que Deus está se assegurando de que não sobrevivamos na posição em que estamos atualmente.
Que tipo de questões deveríamos estar fazendo agora sobre o Afeganistão?
Precisamos pedir que eles nos digam a verdade. Que nos digam que estamos engajados em algo invencível. Mas temos esse tipo de objetivos políticos, e queremos alcançá-los, e as pessoas irão morrer por causa de fins políticos ambíguos. Simplesmente digam-nos a verdade.
Qual deveria ser o papel da Igreja no debate sobre a guerra no Afeganistão?
Comecemos com as pessoas de nossas congregações que estão relacionadas com os militares, e pergunte-lhes como podemos justificar isso. Vamos começar por aí. Eu tenho um grande apreço pelas pessoas das Forças Armadas, mas muito poucas vezes pede-se que eles justifiquem o que estão fazendo.
Então, cada cristão é chamado a ser um pacifista?Sim, absolutamente.Então, como você responde às pessoas que dizem que isso é irreal?A fidelidade monogâmica vitalícia no casamento: você acha isso irreal?
No entanto, isso existe. Eu não me sinto terrivelmente intimidado pela acusação de ser irrealista.Se Obama lhe chamasse para aconselhá-lo sobre o Afeganistão, o que você lhe diria?Eu diria: "Você precisa dizer ao povo norte-americano algumas verdades realmente duras, a saber, que a guerra contra o terrorismo foi um erro e que precisamos começar, nós, norte-americanos, a aprender a viver em um mundo que não controlamos. E isso não vai fazer com que você seja muito popular".
Notas:1. Em resumo, a Teoria da Guerra Justa é uma doutrina de ética militar estudada por diplomatas, teólogos e filósofos da moral que defende a ideia de que um conflito militar pode e deve atender os critérios de justiça filosófica, religiosa e política, caso siga determinadas condições (N. do T.).
2. Segundo segundo Morgan Pollard, da Southern Cross University, Austrália, algumas condições e ações que justificam o uso da guerra (consequência inevitável de um sistema internacional composto por múltiplos estados, segundo ele) seriam: uma causa justa, tal como a proteção dos direitos humanos; intenção correta, que deve ser o estabelecimento da paz; proporcionalidade apropriada, com fins justos ultrapassando os meios; posição defensiva ao invés de ofensiva; uso da força apenas como o último recurso após medidas econômicas e diplomáticas; autoridade e liderança competentes; alta probabilidade de sucesso; limitação do uso excessivo da força; não utilização de soldados alistados e crianças; não uso intencional de táticas ou armas malignas, por exemplo adesão à Convenção de Genebra; uso cuidadoso de discriminação na prevenção de situações com inocentes (N. do T.)