sábado, 28 de março de 2009

Peso econômico do Brasil, China e Índia pode atenuar a crise global, diz FHC

Nathan GardelsDo Global Viewpoint O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou para o editor do "Global Viewpoint", Nathan Gardels, em 21 de março.
Nathan Gardels - Nesta primeira crise global que emanou dos Estados Unidos e agora do sistema bancário europeu, é necessário que as potências em ascensão Brasil, China e Índia a corrijam?
Quão importantes são estas potências em ascensão -em termos de demanda, em termos de reservas e investimento- para que o mundo saia de uma recessão cada vez mais profunda? Nós estamos testemunhando uma transferência de poder do G7 para o G20 como o comitê executivo da globalização? Isso deveria ser refletido na governança do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial?
Fernando Henrique Cardoso - Eu não acho que o Brasil, Índia ou mesmo a China serão capazes, sozinhos, de corrigir as disfunções produzidas pela crise global.
Mas é verdade que o poder econômico destes três países pode atenuar suas conseqüências negativas, a menos que a amplitude e duração da crise nos Estados Unidos e Europa seja tamanha a ponto de afetar profundamente a economia dos países emergentes. Isto pode ocorrer se as importações pelos países ricos forem reduzidas significativamente e permanecerem assim por muito tempo, afetando assim o superávit comercial das economias exportadoras, e também se o arrocho do crédito persistir.
A China certamente apresenta um nível muito alto de reservas, mas este não é o caso do Brasil. Todavia, os três países emergentes citados oferecem oportunidades atraentes de investimento que podem compensar a falta de espaço para investimento na maioria das economias desenvolvidas.Eu acredito que estamos testemunhando um aumento do número de agentes econômicos relevantes. O G7 como está não mais expressa as mudanças no equilíbrio de poder mundial. Por sua vez, o G20 é muito mais representativo da realidade política e econômica atual. Mas estes grupos para um determinado fim devem ser institucionalizados para que suas decisões tenham implantação prática, e essa não é uma tarefa fácil.
Gardels - Há um debate antes da Cúpula do G20 em abril entre a ênfase dos Estados Unidos na "demanda universal" -um compromisso mundial dos países que podem gastar 2% do PIB em estímulo econômico para que o façam- contra um foco na regulamentação dos mercados financeiros globais. Qual é o mais importante e o que o senhor recomendaria especificamente?
FHC - Minha sensação é de que a regulamentação global deve ser aumentada. A incapacidade do Banco de Acordos Internacionais em assegurar o cumprimento de suas recomendações levou à atual desordem financeira. Para contê-la, o Federal Reserve (o banco central) dos Estados Unidos atuou como se fosse o "banco central dos bancos centrais", resgatando bancos e até mesmo empresas não-bancárias, indo assim muito além de seu mandato legal. É imperativo fortalecer o FMI e o Banco Mundial, aumentando sua capacidade financeira e, ao mesmo tempo, democratizando seus direitos de voto para que os países emergentes possam ter uma maior participação nas decisões.
Gardels - Como alguém que passou muitos anos como um acadêmico estudando a economia mundial, das teorias anti-imperialistas da "dependência" ao livre comércio do "consenso de Washington", o que o senhor acha da "queda de Wall Street" e do colapso do fundamentalismo de mercado dos Estados Unidos? Joseph Stiglitz, o economista ganhador do Prêmio Nobel, diz que este é um momento tão importante para o capitalismo quanto a queda do Muro de Berlim foi para o comunismo. Que modelo o senhor vê emergir nos Estados Unidos (onde, afinal, estamos debatendo a nacionalização dos bancos) e no mundo? Como a globalização parecerá diferente daqui para a frente? Quais são as lições da liberalização do comércio e do capital extraídas desta crise?
FHC - O consenso de Washington não foi mais que uma receita (incluindo algumas medidas sensíveis e necessárias e outras mais questionáveis) para lidar com a insolvência doméstica e internacional dos países em desenvolvimento. Ele não tratava dos problemas que a globalização apresentou a todos os países, incluindo os altamente desenvolvidos e os politicamente hegemônicos. Não falava da necessidade de boa governança em Washington, em Wall Street ou na City, que é a causa de nossa situação difícil atual.
O colapso atual foi de fato criado pela combinação de governos ultraliberais sucessivos nos Estados Unidos e Reino Unido (com as notáveis exceções dos períodos Clinton, Blair e Brown) e a capacidade da revolução da internet de fragmentar globalmente e disseminar hipotecas e empréstimos "securitizados".Tudo isso se beneficiou da leniência dos governos e autoridades monetárias, que fracassaram em controlar a relação entre capital e papéis alavancados. Se definirmos esta falta de regulamentação como "fundamentalismo de mercado", quer dizer, a crença de que o mercado é capaz de resolver seus próprios problemas, então de fato podemos falar de seu colapso.Provavelmente a "nacionalização" temporária ou uma crescente participação acionária dos tesouros nacionais no capital dos bancos será a forma de sair do caos atual. E não ficaria surpreso se ouvirmos pedidos por um maior controle sobre os fluxos internacionais de capital. Mas não acho que isto significará uma revolução antiglobalização. Seria mais uma tentativa de domar a forma caótica que ela assumiu.
Gardels - No início do século 20, o colapso do livre comércio e da globalização levou ao protecionismo e guerra quando ocorreu a recessão econômica. O senhor teme que o mesmo possa acontecer hoje? Ou a "dependência mútua" dos países (isto é, as reservas chinesas e o mercado de consumo americano) e a interconectividade da mudança climática entre os países farão com que esta crise aprofunde a globalização -todos temos que sair dela juntos- em vez que quebrá-la?
FHC - A configuração política que surgirá da crise global atual dependerá da capacidade de liderança de países-chave, entre eles a China, Índia, Brasil e outras economias emergentes, sem esquecer a Rússia, por seu papel estratégico nas políticas de energia e como potência militar situada entre a Europa, Ásia Central e China.O governo Obama parece ter entendido a necessidade de um "novo acordo internacional", que também inclua o mundo islâmico. Se a noção de "dependência mútua" for seriamente levada em consideração, especialmente no que se refere às questões de energia e meio ambiente, e se os Estados Unidos perceberem que o unilateralismo é fraco demais para assegurar um pacto global estável de co-responsabilidade, então poderemos ter esperança de que a saída da crise não será um retorno ao protecionismo, tendo um risco renovado de guerra como seu corolário. De fato, um "novo acordo internacional" é o caminho a seguir para evitar uma repetição da tragédia que levou à Segunda Guerra Mundial.

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