segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Guerra do Afeganistão falhou desde o começo, afirma eticista

O eticista da Duke University Stanley Hauerwas, que se diz um cristão pacifista, é um especialista em teoria da guerra justa [1]. Segundo Hauerwas, não foram apenas as guerras no Iraque e no Afeganistão que não cumpriram os critérios de uma guerra justa [2], mas também a Segunda Guerra Mundial.
Agora, como o governo Obama avalia suas opções no Afeganistão, Hauerwas, 69, continua decididamente pessimista não apenas com relação às perspectivas norte-americanas, mas também com a moral norte-americana.A reportagem é de Kevin Eckstrom, publicada nos sítios Religion News Service e National Catholic Reporter, 10-11-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que o presidente Obama deveria fazer com relação ao Afeganistão?
O Afeganistão foi entendido como parte de uma guerra contra o terrorismo, e esse foi um erro decisivo, porque, tão logo se disse que estávamos em guerra, demos a Osama bin Laden o que ele queria – ele se tornou um guerreiro, não apenas um assassino. Eu ficaria muito mais feliz com uma reconsideração total de nosso envolvimento lá – não apenas como uma guerra, mas como uma função política e como essa política pode intervir para prender Bin Laden. Eu sei que isso parece utópico. Mas tente apenas pensar que vamos vencer a guerra no Afeganistão. Eu não posso imaginar nada mais utópico do que isso. Pergunte aos britânicos. Pergunte aos russos. Isso nunca vai acontecer.Depois de sete anos, a guerra no Afeganistão foi alguma vez uma guerra justa?A guerra no Afeganistão tem a possibilidade de ser limitada de uma forma que pode torná-la um pouco mais justificável, mas ainda não está claro para que estamos lutando. É tão profundamente ambígua que é difícil encaixá-la nos critérios de uma guerra justa. A ideia de que iremos começar a avaliar a justeza de uma guerra depois de ela já estar acontecendo, me desculpe... aí já é muito tarde.
Como você avalia a resposta da Igreja à guerra do Iraque?
Terrível. Os cristãos – e eu comecei com o 11 de setembro, assim que dissemos que estávamos em guerra – disseram: "Somos nós". Nunca nos fizemos as difíceis questões sobre a guerra contra o terror, e foi por isso, acredito eu, que a guerra do Iraque aconteceu. Tem tudo a ver com a inabilidade de distinguir entre o "nós", cristãos, e o "nós", norte-americanos.
Então a Igreja precisa de um ato de arrependimento?
A Igreja perdeu sua habilidade de ser uma comunidade disciplinada porque nós, agora religiosamente, somos um mercado de compras. O cristianismo tem que se vender como algo muito bom para a autorrealização das pessoas, e isso está nos matando, porque não somos muito bons para a autorrealização das pessoas. Somos bons para a salvação das pessoas, o que não é a mesma coisa. Ainda bem que Deus está se assegurando de que não sobrevivamos na posição em que estamos atualmente.
Que tipo de questões deveríamos estar fazendo agora sobre o Afeganistão?
Precisamos pedir que eles nos digam a verdade. Que nos digam que estamos engajados em algo invencível. Mas temos esse tipo de objetivos políticos, e queremos alcançá-los, e as pessoas irão morrer por causa de fins políticos ambíguos. Simplesmente digam-nos a verdade.
Qual deveria ser o papel da Igreja no debate sobre a guerra no Afeganistão?
Comecemos com as pessoas de nossas congregações que estão relacionadas com os militares, e pergunte-lhes como podemos justificar isso. Vamos começar por aí. Eu tenho um grande apreço pelas pessoas das Forças Armadas, mas muito poucas vezes pede-se que eles justifiquem o que estão fazendo.
Então, cada cristão é chamado a ser um pacifista?Sim, absolutamente.Então, como você responde às pessoas que dizem que isso é irreal?A fidelidade monogâmica vitalícia no casamento: você acha isso irreal?
No entanto, isso existe. Eu não me sinto terrivelmente intimidado pela acusação de ser irrealista.Se Obama lhe chamasse para aconselhá-lo sobre o Afeganistão, o que você lhe diria?Eu diria: "Você precisa dizer ao povo norte-americano algumas verdades realmente duras, a saber, que a guerra contra o terrorismo foi um erro e que precisamos começar, nós, norte-americanos, a aprender a viver em um mundo que não controlamos. E isso não vai fazer com que você seja muito popular".
Notas:1. Em resumo, a Teoria da Guerra Justa é uma doutrina de ética militar estudada por diplomatas, teólogos e filósofos da moral que defende a ideia de que um conflito militar pode e deve atender os critérios de justiça filosófica, religiosa e política, caso siga determinadas condições (N. do T.).
2. Segundo segundo Morgan Pollard, da Southern Cross University, Austrália, algumas condições e ações que justificam o uso da guerra (consequência inevitável de um sistema internacional composto por múltiplos estados, segundo ele) seriam: uma causa justa, tal como a proteção dos direitos humanos; intenção correta, que deve ser o estabelecimento da paz; proporcionalidade apropriada, com fins justos ultrapassando os meios; posição defensiva ao invés de ofensiva; uso da força apenas como o último recurso após medidas econômicas e diplomáticas; autoridade e liderança competentes; alta probabilidade de sucesso; limitação do uso excessivo da força; não utilização de soldados alistados e crianças; não uso intencional de táticas ou armas malignas, por exemplo adesão à Convenção de Genebra; uso cuidadoso de discriminação na prevenção de situações com inocentes (N. do T.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário