“A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo. E a reserva de gás vai ser a quinta maior do mundo. E é um país com uma situação geográfica invejável para as potências mundiais, sobretudo os EUA. Então temos direito de nos defender”, afirma Hugo Chávez, presidente da Venezuela, em entrevista a Francisco Peregil do jornal El País, 12-09-2009, reproduzida pelo Uol Notícias. A tradução é de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Eis a entrevista.
Qual é o objetivo dessa corrida armamentista?
Tomara se torne realidade aquele reino anunciado por Cristo; o que diz a Bíblia: "Um dia o ferro das espadas se transformará no ferro dos arados". Oxalá, "inshallah". Mas enquanto isso há uma realidade objetiva. Cada país tem direito, como tem a Espanha, a ter uma marinha para defender seus mares, uma aviação militar para defender e garantir a soberania do território espanhol, um exército. A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo. E a reserva de gás vai ser a quinta maior do mundo. E é um país com uma situação geográfica invejável para as potências mundiais, sobretudo os EUA. Então temos direito. Ninguém pode nos pedir para jogar fora os tanques franceses que a Venezuela comprou há 40 anos. Os EUA gostariam disso. Não nos vendem peças dos aviões Hercules. Hoje eu disse isso ao primeiro-ministro Zapatero: "Oxalá que agora que mudou o governo dos EUA permita que a Espanha venda uns aviões CASA, que não são caça-bombardeiros, são aviões de transporte. Bush não permitiu que a Espanha nos vendesse esses aviões, que são muito úteis para levar carga à fronteira, às ilhas do Caribe... Então fizemos com a Rússia, com a França e com a Espanha também, convênios militares. Com o Brasil também. Para garantir a soberania do país. Estamos utilizando um direito. Alguns exageram e dizem que Chávez tem um projeto expansionista, "guerreirista"... pelo contrário. O expansionista e guerreirista são os EUA. Como aumentamos a economia, aumentamos a defesa. Não fazemos planos contra ninguém, são planos de defesa.
Vocês não consideram terroristas os membros das Farc [a guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]?
Nem o Brasil, nem o Chile, nem a Argentina, nem o Peru, nem o Equador. Ninguém. Os únicos no continente americano são os EUA e a Colômbia. Quando chegamos ao governo, há quase 11 anos, o chanceler que eu nomeei, José Vicente Rangel, me disse que em um edifício da chancelaria cumprimentou um senhor baixinho que lhe disse que era colombiano. E você quem é? Não, é que tenho um escritório aqui. Comandante Ariel, esse era seu nome. A Farc tinha escritório na chancelaria venezuelana! Isso quase ninguém sabe. Por quê? Porque as Farc tinham uma rede de relações diplomáticas. Mas veio Bush e os colocou em uma lista de terroristas. Eu mesmo estou nessa lista de Bush. Espero que não na de Obama. As Farc não são terroristas, são uma força insurgente. É preciso reconhecê-la como tal para poder haver paz, porque com os terroristas não se pode dialogar.
Mais de dez anos desde que o senhor chegou ao governo, a Venezuela é um país mais livre? Na atual situação, um dos principais líderes da oposição se encontra autoexilado...
Dê-me nomes.
Manuel Rosales.
Está fugindo da justiça. Você sabe que está fugindo da justiça? Pois é preciso dizer a verdade. Não é que esteja autoexilado. Cuidado com as palavras, eu lhe sugiro. Manuel Rosales tem mandado de prisão e fugiu. Não está autoexilado porque o governo o persegue. Tem residência na Flórida, não sei quantos milhões de dólares, propriedades e contas, e não quis ir a um tribunal para explicar de onde as tirou, mas optou por fugir do país.
Um amigo seu, Raúl Isaía Baduel, está agora na prisão.
Você sabe por quê? Isso me causa dor, porque somos velhos companheiros. Começamos a fundar as primeiras células bolivarianas no exército quando éramos quase crianças. Raúl, depois, foi um comandante do movimento. Poucos dias antes da rebelião [o golpe de Estado de 1992 contra o presidente Carlos Andrés Pérez], me disse que não ia à rebelião. Isso me atingiu muito forte, mas eu aceitei. Falando e olhando nos olhos lhe perguntei por quê. Então lhe disse que passasse à reserva. Não nos vimos durante muitos anos. Depois, assim que ganhei as eleições, em 6 de dezembro de 1998, mandei chamá-lo. Era coronel. Todo mundo sabia que era meu amigo e cobrou isso; se transformou em meu secretário privado durante dois ou três anos. O promovi a general e o mandei para a brigada pára-quedista. Seus filhos e os meus... foram muitos anos juntos. Chegou o golpe e me chamou. Me disse: Papa - assim nos chamávamos -, o que faço? Eu lhe disse: resista, não sei o que será de mim, mas resista. E ele, talvez com uma velha dívida daquela rebelião, me disse por telefone: Papa, desta vez não estou na reserva. E se pôs na frente junto com outros oficiais e muito povo.
Ele denunciou uma perseguição injusta.
O promovi a general em chefe. Nesse dia chorou. Eu o nomeei ministro da Defesa. Começaram informações estranhas. De repente comprou um rebanho, uma casa, muito dinheiro... Um dia o chamei: me disseram que você comprou uma casa, gado... o que está fazendo? E ele me disse: não, não, me atacam para atacar a você. Ele entregou o comando e saiu pela porta grande. Mas as investigações começaram. O primeiro sinal foi que no mesmo dia em que Raúl entregou o Ministério da Defesa um oficial que chamam de habilitado para administrar e assinar cheques pediu baixa do exército nesse mesmo dia e ele a assinou no mesmo dia. E não entregou nada nem explicou nada ao que chegou. Se eu tivesse freado essa investigação estaria avalizando um possível fato irregular. Quando perdi outro amigo também por coisas parecidas. E há falta de cerca de US$ 15 milhões que não aparecem. Mas aparecem veículos de luxo, fazendas... Raúl, em vez de ir ao tribunal que o julgava, se negou, dizendo que isso era uma perseguição política e que ele é general em chefe. Ahhh... aí Raúl desmoronou. Poderia ter sido um grande líder desta revolução. Hoje está preso. Mas que eu o persiga... jamais. A lei é a lei. E não tenho dúvida de que a Venezuela goza hoje de muito mais liberdades do que 11 anos atrás, quando eu cheguei.
Por motivo dos dez anos de governo Chávez, a ONG Human Right Watch elaborou um relatório no qual se afirma que havia ocorrido uma redução das liberdades e que os juízes tinham se transformado em fantoches do governo. Essa ONG fez relatórios muito duros, tanto contra a Venezuela como contra o governo do colombiano Álvaro Uribe. A diferença é que quando foram apresentar o seu, em Caracas, a polícia tirou essa ONG do país.
Eu creio que você tem pouca informação. E está caindo em um erro. Está fazendo elaborações fundamentadas em mentiras. Creio que é uma vítima. Porque não creio que seja indecente. Está falando do senhor [José María] Vivanco, não é verdade? Eu o convido a ver o vídeo do que Vivanco disse lá. E por que em uma estrita aplicação da lei venezuelana o governo o convidou [a sair do país], ele não quis e então foi obrigado a abandonar o país. Eu gostaria de ver se aqui chegasse alguém que não tenha imunidade jurídica internacional. Imagine que comece a dizer coisas contra o governo da Espanha e contra o rei e contra o primeiro-ministro... tenho certeza de que o governo da Espanha vai convidá-lo a que se retire daqui. Eu vou a sua casa sentar-me na sala da sua casa para insultá-lo, a sua mulher, seus filhos...? Você tem de me expulsar da sala de sua casa. Que vão para lá dar um show em aliança com a oposição interna, porque foi isso que ocorreu, e desrespeitar a dignidade de um país... isso ninguém pode aceitar.
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