domingo, 26 de julho de 2009

Gripe A: 95% dos pacientes evolui favoravelmente. Entrevista especial com Francesco Garabello

Médico infectologista e assistente jornalístico no Centro Médico Dr. Daniel Stamboulian, o argentino Francesco Garabello fala, na entrevista que segue, concedida por e-mail para a IHU On-Line, sobre a gripe A (H1N1). Ele considera importante que os meios de comunicação transmitam o que está acontecendo e que possam levar tranquilidade à população. “Por exemplo, nós, os médicos, frente à gripe A (H1N1), devemos enfatizar que é um vírus de fácil difusão, mas que possui um comportamento benigno, dado que mais de 95% dos pacientes evoluem favoravelmente e que, aqueles que apresentam um quadro clínico severo, tomando Oseltamivir precocemente, podem evitar muitas das complicações”. Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são as diferenças entre a gripe comum e a gripe A (H1N1)? Francesco Garabello - Em relação ao quadro clínico, a influenza A (H1N1) é similar a uma síndrome gripal habitual com febre, dores musculares, calafrios, tosse ou dor de cabeça. Estas manifestações são, habitualmente, mais significativas do que na gripe estacional e, além disso, são acompanhadas, muitas vezes, de dor abdominal, náuseas, vômitos e diarréia aquosa. É preciso ter presente, como ocorre com a gripe estacional, que a maioria dos pacientes (mais de 95%) evolui favoravelmente. No entanto, alguns deles podem apresentar dificuldades respiratórias, especialmente as pessoas jovens, com ou sem fatores de risco. Estas situações podem se complicar com a ocorrência de angústia respiratória e com os casos de falecimento. Esta é outra diferença em relação à gripe estacional. É muito importante destacar, com base no que temos aprendido do México e em nosso país, que muitas destas complicações podem ser evitadas mediante o tratamento precoce com Oseltamivir (1), nos pacientes com suspeita de gripe, sem esperar a confirmação do exame em laboratório. Este medicamento deve ser administrado dentro das 48 horas a partir da aparição dos sintomas.
IHU On-Line – Quais os motivos que levaram ao aumento do número de casos de pessoas infectadas por esta gripe na Argentina? Francesco Garabello - Tal como expressam as publicações internacionais e os especialistas, é muito difícil prever o andamento da doença e os países ou zonas por onde se estende a gripe A (H1N1). Temos visto que, a partir de meados de maio, em muitos países do hemisfério sul, como Argentina, Chile ou Austrália, começou o surto de gripe A, que se difundiu facilmente e que agora está diminuindo em quase todos eles. Por que em alguns países se reduziu mais do que em outros? É difícil explicar e, como dizíamos anteriormente, é difícil prever o curso de um novo vírus pandêmico como este.
IHU On-Line - Quais são as possibilidades de contar com uma vacina que combata esta gripe? Francesco Garabello – Mesmo que esteja se trabalhando no desenvolvimento de uma vacina, até o momento, a estratégia é vacinar-se contra a gripe estacional. Na Argentina se recomenda, diante de um quadro suspeito de gripe, o distanciamento social e o começo precoce do tratamento com o antiviral.
IHU On-Line - Há casos de mutações da gripe? O que pode ocorrer se o vírus modifica sua estrutura? Francesco Garabello – Em relação às mutações, todos os vírus podem se modificar. Algumas vezes, mudam totalmente e aparece, então, um novo vírus que, caso se estenda como aconteceu com este, trata-se de um vírus pandêmico. Outras vezes, há algumas pequenas modificações, na estrutura do vírus, que determinam a necessidade de ir adequando as vacinas a estas pequenas alterações. Em síntese, se o vírus muda totalmente, tal como ocorreu com o vírus da gripe A (H1N1), trata-se de um vírus novo e, caso se difunde como esse se difundiu, transforma-se em um vírus pandêmico.
IHU On-Line - Esta gripe tem ocupado um grande espaço nos meios de comunicação. O que representa este tipo de pensamento no campo da saúde? Francesco Garabello - Considero importante que os meios de comunicação transmitam o que está acontecendo e que possam dar pautas que realmente levem tranquilidade à população. Por exemplo, nós, os médicos, frente à gripe A (H1N1), devemos enfatizar que é um vírus de fácil difusão, mas que possui um comportamento benigno, dado que mais de 95% dos pacientes evoluem favoravelmente e que, aqueles que apresentam um quadro clínico severo, tomando Oseltamivir precocemente, podem evitar muitas das complicações.
IHU On-Line - Esta gripe pode ser tão violenta quanto a “gripe espanhola”? Francesco Garabello - Ao comparar este vírus com o da gripe espanhola devemos destacar que ele não possui as características estruturais, sobretudo em uma proteína que dá alta virulência ou patogenicidade, que teria o vírus da pandemia de 1918. Por outro lado, os cenários são distintos. Hoje temos antivirais, antibióticos e a possibilidade de tratar os pacientes que se complicam com respiradores e cuidados intensivos.
Nota:(1) Oseltamivir é um fármaco antiviral seletivo contra o vírus influenza dos tipos A e B, produzido pelos laboratórios Roche sob o nome comercial Tamiflu. O medicamento feito a partir deste princípio ativo foi o primeiro a ser usado na epidemia de gripe suína que iniciou este ano, no México.

domingo, 19 de julho de 2009

''As florestas precisam ter papel significativo nas negociações de Copenhagen'', afirma Carlos Nobre

Criado em 1997 e ratificado em 2005, o Protocolo de Kyoto representa a primeira tentativa de criar um acordo mundial com metas para combater as mudanças climáticas. O tratado fixava que os países desenvolvidos deveriam reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 5,2%, em relação às emissões de 1990, até 2012. Hoje, doze anos depois, diversos cientistas e especialistas da área ambiental criticam o protocolo como sendo tímido e sem efetividade para realmente evitar o aquecimento global. A entrevista é de Aldrey Riechel e Flávio Bonanome e publicada por Amazonia.org.br, 13-07-2009. Considerado um dos maiores especialistas do Brasil em mudanças climáticas, o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Carlos Nobre não acredita que Kyoto seja suficiente. Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, Nobre foi um dos responsáveis pelas pesquisas científicas que mostraram ao mundo que a situação era muito pior do que se imaginava, e que as reduções teriam de ser mais acentuadas. Segundo o pesquisador, para que o aumento de temperatura não passe de 2°C, margem segura para que não ocorram mudanças drásticas no clima, as reduções deveriam chegar a 80% até 2050. "Portanto, o Protocolo de Kyoto é absolutamente insuficiente até mesmo para servir de base para as futuras negociações", explica, em entrevista ao site Amazonia.org.br. O cientista fala em futuras negociações já pensando na Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, que acontece no final do ano em Copenhagen. Grande parte da comunidade internacional espera que deste encontro saia um novo acordo para redução de emissões, que na opinião de Nobre, precisaria ser muito mais rigoroso. "Copenhagen deve ser muito ambiciosa em colocar metas rigorosas: para os países desenvolvidos redução entre 30 e 40% até 2020 e para os países em desenvolvimento uma redução significativa no crescimento de suas emissões", explica. Eis a entrevista.
Pode se dizer que o Protocolo Kyoto teve sua importância e cumpriu com sua função? O Protocolo de Kyoto teve sua importância sim. Ele mostrou que é possível a maioria dos países do mundo chegar a um acordo internacional que sinalize na direção de redução das emissões. Muitos duvidavam até que seria possível chegar a este acordo. Então o protocolo mostrou que a negociação diplomática que leva a estes acordos é possível, claro que é difícil, mas foi efetivado. Agora, o acordo deixou muito a desejar em vários aspectos. Em primeiro lugar ele foi muito tímido com relação às metas de redução das emissões. Pode-se entender que ele foi assinado em 97 quando se imaginava que reduzir 5,2% em relação a 1990 dos países desenvolvidos seria um número razoável. Mas a ciência, mesmo na década de 90 como nesta década, mostrou que as reduções deveriam ser muito superiores. Então, esta foi a primeira falha. O problema mais importante foi a não adesão dos Estados Unidos da América no acordo. Isso é uma falha pós-assinatura, uma decisão do governo Bush. Não é uma falha do protocolo em si, mas da efetivação do documento. Uma última falha é que mesmo os países que assinaram o documento e estão tomando iniciativas não cumprirão suas metas. Então vamos dizer que a nota de zero a dez que eu daria para o Kyoto seria quatro. Menos do que cinco, o mínimo desejável, por que não cumpriu seu objetivo mesmo entre os países signatários. Mas também não é zero porque ele tem sua importância histórica de mostrar que é possível atingir negociações entre um grande número de países. Ele também permitiu que se testasse uma série de iniciativas de redução de emissões, como o comércio de certificação. Diversas iniciativas de desenvolvimento limpo conseguiram recursos graças ao protocolo. Principalmente no setor de energia dos países em desenvolvimento. Nada disso aconteceria se não houvesse o protocolo. Isso não pode ser jogado na lata do lixo, mas na minha avaliação o protocolo não tirou nem nota cinco.
O que deve ser mudado para que haja um protocolo com efeito? Eu considero que o Protocolo de Kyoto foi um bom experimento para ser abandonado. Temos que diminuir as emissões globais até metade do século em 80%. Portanto o Protocolo de Kyoto é absolutamente insuficiente até mesmo para servir de base para as futuras negociações. A experiência sim, os erros e os acertos valem alguma coisa. Agora não pode simplesmente imaginar que a partir de 2012 vamos melhorar Kyoto. As bases de negociação têm que ser totalmente diferentes. O protocolo de 97 fez metas para 15 anos depois. Estamos em 2009 e temos que ter avanços significativos em 2015, com mensuráveis reduções dos países desenvolvidos. Será discutido em Copenhagen algo entre 30% e 40%. Além disso, os países em desenvolvimentos devem entrar neste novo acordo de forma significativa. Não podem continuar crescendo suas emissões, eles precisam começar a reduzir. A taxa de crescimento anual tem que cair muito. Portanto prefiro nem discutir a sobrevivência do protocolo de Kyoto melhorado, mas um novo acordo.
Há esperanças de que Copenhagen assuma este papel? Todos têm essa expectativa. Espero que Copenhagen não decepcione o mundo, que os negociadores estejam à altura do desafio histórico e à altura do que o planeta vive. Com a ciência nos informando com muito vigor e segurança que os riscos são muitos maiores do que imaginávamos dez anos atrás, que as mudanças estão procedendo numa velocidade maior do que imaginávamos cinco anos atrás, em cima dessa crescente evidência científica nós temos que reduzir as emissões rapidamente, para não colocarmos o planeta numa rota de alto risco. Que os negociadores e chefes de estado respondam com um acordo abrangente. Esta é a expectativa.
De quanto seriam os cortes para que começasse a surtir algum efeito no clima? Cerca de 80% é número que a ciência hoje aponta para que houvesse 75% a 80% de probabilidade de que as temperaturas não aumentem mais do que 2ºC com relação à era pré-industrial. Essa é uma margem de segurança boa de que nós não levaríamos o planeta a uma rápida e irreversível mudança. Algumas mudanças hoje já se tornaram irreversíveis, mas precisamos que a irreversibilidade do colapso dos subsistemas climáticos não fosse uma norma. Como já comprometemos 0,8ºC, e como nada pode ser feito para impedir mais 0,5ºC, a nossa margem de aumento de gases de efeito estufa é muito pequena, nós já estamos no limite. É preciso uma redução global, não só dos países desenvolvidos, de 80% a menos do que se emitia em 1990 até 2050.
Existe vontade política dos países em agir nesta direção? Para os países, fazer compromissos de longo prazo, como até 2050, é algo mais fácil de acontecer, pois nenhum destes governantes nem vivo estará, então é fácil. A grande questão é quais são os compromissos de 2015 e 2020. Este é o intervalo que para que consigamos ter reduções de 30% a 40% precisaríamos pelo menos dos países desenvolvidos e uma redução marcante da taxa de emissão dos países em desenvolvimentos. Por exemplo, se até 2020 o Brasil cumprir o que reza o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, com o desmatamento da Amazônia abaixo de 5mil km, o Brasil já reduziria suas emissões em 30% e seria um exemplo para o mundo. Este é o exemplo que colocaria o Brasil no topo dos países limpos do mundo, se nós cumprirmos este compromisso. Mas é importante que economias emergentes diminuam a velocidade de quanto suas emissões vêm crescendo. Então Copenhagen tem que ser muito ambiciosa em colocar uma meta rigorosa, porém possível.
Você acredita que mecanismos de controle e punição ajudariam a cumprir as metas? O Protocolo de Kyoto também não tinha mecanismos de garantia do cumprimento, não havia nenhum mecanismo de punição. Este assunto vai ser muito debatido ainda. Eu particularmente não acredito em mecanismos de punição. Acho que é muito difícil punir um país, ou começar a desenvolver um sistema que vai gerar inúmeras assimetrias, porque qualquer sistema que se crie em termos de mercado, e o mercado de carbono é um mercado, é historicamente usado contra os países em desenvolvimento. Eu particularmente acho improvável a criação de mecanismos de punição. Acredito que as metas rigorosas têm que ser objetivos que os próprios países incorporem em suas políticas internas e com muita força, da mesma forma que quaisquer metas globais de qualidade de vida, sistemas educacionais, saúde. Os países entendem que elas existem para seu próprio benefício e correm atrás de cumpri-las. Até existe certa competição para ver qual país vai cumprir primeiro. Então, é muito mais provável que nós consigamos atingir metas de redução quando as populações dos países perceberem que são tão importantes quanto as metas de melhorias na qualidade dos atendimentos de saúde, da educação, etc. Um exemplo é o caso do Brasil. Somos nós que temos que querer reduzir este desmatamento ilegal na Amazônia. Então em primeiro lugar somos nós que queremos seguir estas metas e entender a importância destas. Eu entendo que assim é a melhor maneira de funcionar.
O Brasil tem feito um bom trabalho com a Amazônia? Sim e não. Se a gente olhar a redução do desmatamento friamente nos números dos últimos anos, podemos dizer que não se pode criticar um país que de 2004 a 2009 terá reduzido mais de 60% do desmate. Então, se a gente olha os números, só pode elogiar. Mas é importante também observar se nós estamos criando condições de que esta redução do desmatamento seja sustentável, seja permanente, se outro paradigma de desenvolvimento da Amazônia tomou a frente do paradigma boi, da soja. Mas ainda não, a economia da região não avançou na economia sustentável. Então, vamos dizer assim, esta resposta é sim, nós temos que elogiar a redução e não, não ficarmos satisfeitos e comemorando este feito, porque todas as forças que pode levar ao aumento ainda estão presentes e não conhecem outra maneira de desenvolver a região sem desmatar. Então a vigilância tem que ser muito grande, de não permitir o desmate ilegal. O Estado de direito tem que se fazer presente. Com relação há 10 anos, o Estado é muito mais presente hoje, é claro, mas ainda é pouco enraizado. O fato de que tem havido progressos, principalmente através dos Ministérios Públicos Amazônicos, não pode nos deixar tranqüilos de que a legalidade do desenvolvimento está garantida.
A preocupação com a floresta pode entrar nos quesitos a serem discutidos em Copenhagen ? Tem que entrar, é muito importante. Quando precisamos atingir a meta de 80% de redução para ficarmos no lado menos inseguro das mudanças climáticas, é lógico que o setor florestal pode colaborar com 10%, 12% desta meta até 2050 se nós hipoteticamente falamos de zerar desmatamento dos ecossistemas tropicais e subtropicais. Alguém pode falar, "puxa, mas é muito pouco", mas não é pouco, pois as reduções têm que vir de todos os setores. Seria ingênuo achar que só vai vir do petróleo, carvão, gás, tem que vir de todos os setores, desde a agricultura, da pecuária, da indústria. Todos os setores tem que reduzir, e a florestas tem um papel muito significativo.
Diminuir o desmate não pode acentuar problemas sociais na região? Acho que não, acredito que este raciocínio seja completamente equivocado, porque a expansão da fronteira agrícola se dá através de grandes desmatamentos, que privilegiam uma agropecuária de baixíssima eficiência, pois as áreas desmatadas são proporcionais às áreas abandonadas, e isso não pode ser permitido. Segundo, não há como justificar ilegalidade. Temos que implantar o Estado de direito, o que é benéfico para todos, inclusive para a economia. As atividades sustentáveis só conseguem competir economicamente se elas tiverem em uma competição leal. É como justificar o tráfico de drogas porque emprega pessoas. A pequena agricultura, que também responde por desmatamentos, também precisa receber um enorme apoio do governo, precisa ser subsidiada até que esta agricultura estabeleça padrões de qualidade e eficiência. As áreas desmatadas por esta agricultura já são grandes e poderiam ser muito mais eficientes para as famílias que as fazem. E isto não é expandindo esta área, mas aumentando a eficiência, e não só justificar o aumento das áreas desmatado pela agricultura familiar como uma necessidade incontornável. Não se pode justificar uma agricultura ineficiente, que não aproveita as áreas desmatadas, para avançar, pois, dentro desta lógica, a floresta não tem salvação. Nós não podemos nos render a um argumento fatalista, de que as pessoas precisam se alimentar. Não é por ai, não está havendo uma explosão populacional na Amazônia, ao contrário. A eficiência na questão agrícola é central, e deve se implantar permanentemente na produção agrícola, sem o ciclo perverso de desmate, cultivo, abandono, desmate. Este ciclo vicioso em todos os lados deve ser interrompido, e a maneira de fazer isso é a implantação do Estado de direito de um lado e a eficiência agrícola em outro.
Existe algum exemplo de políticas que estão sendo aplicadas em outras florestas tropicais ao redor do mundo que sirvam para a Amazônia? Exemplos bons em pequena escala existe, como por exemplo a Costa Rica. Ela vem tentando desenvolver mais sistemas para aproveitar as riquezas naturais sem agredir o ecossistema. A Costa Rica é o país mais importante do mundo no termo de eco-turismo tropical, muito mais do que o Brasil. É um bom exemplo, mas muito limitado. Isso porque de fato nós não conseguimos, em termos globais, uma maneira de desenvolver regiões com florestas sem desmatar. Este modo não existe. Mas nós somos a única espécie animal dotada de inteligência. Se nós transformamos o mundo a favor da nossa qualidade de vida, por que não usamos dessa inteligência para inventar um modelo de desenvolver estas regiões sem causar desmatamento? Com a ciência que temos hoje, é possível imaginar uma economia de base florestal, com recursos da biodiversidade, dos serviços ambientais do ecossistema. Tudo isso é possível, mas nós temos que querer. Temos que falar que não queremos mais o desmate e inventar algo para substituí-lo. Existem alguns projetos pilotos no mundo, mas ainda nada que consiga manter a vida de milhões de pessoas. O desafio de inventar um novo modelo de desenvolvimento para Amazônia é um grande propulsor para o Brasil. Está aí a oportunidade do país usar a Amazônia como alavanca para o próprio desenvolvimento.

sábado, 11 de julho de 2009

'O conceito da Internet é liberador''. Entrevista especial com João Bittencourt

O professor no curso de Comunicação Digital e coordenador do curso de Jogos Digitais da Unisinos, João Bittencourt conversou com a IHU On-Line, por e-mail, sobre como a internet está mudando nosso “jeito” de viver. Por isso, ele explica que a web não apenas oportunizou novos instrumentos de comunicação, como também disponibilizou novas formas de conhecimento e de relação e, desta maneira, está criando uma cultura “mais cooperativa, mais comunicativa, mais informada sobre qualquer coisa”. No entanto, ele diz que essa nova cultura pode gerar também uma sociedade “mais superficial, mais impaciente”. Ainda que a internet e suas possibilidades estejam mudando nosso cotidiano em função das novas formas de fazer funcionar o mundo, Bittencourt salienta que “o século XXI irá tornar-se um caos caso se mantiver por mais alguns anos com esta mentalidade analógica”. O professor sugere que “a sociedade atual deve se conscientizar da importância do tele-trabalho” e, assim, mudar a lógica analógica com que atuamos hoje. Confira a entrevista. IHU On-Line - Hoje, em sua opinião, quais são as tecnologias que moldam o mundo? João Bittencourt - Acredito que a mais evidente, sem dúvida, é a internet. Trata-se de uma revolução na forma de comunicação e na produção de novos conhecimentos. Além disso, a cultura web acaba influenciando as pessoas no seu cotidiano “offline”. Por exemplo, o fato de algo não funcionar 24 horas, ou um serviço ser demorado ou muito complicado/burocratizado de ser feito, acaba nos irritando. Certamente isso é influência deste mundo online. Além da internet, destaca-se a questão da mobilidade. A possibilidade de acessar a web de um celular, a qualquer hora, em qualquer lugar, é algo fascinante. IHU On-Line - Como o senhor vê a aproximação do Direito ao campo da Comunicação Digital, principalmente no que diz respeito ao uso das tecnologias da comunicação? João Bittencourt - Na minha visão, o Direito se aproxima da comunicação digital no que tange, principalmente, a produção do conteúdo e o direito autoral. A relação de autoria é fortemente modificada pela web. O sujeito deixa de ser meramente consumidor e passa também a ser um produtor. Fortifica-se o conceito de co-autoria e da remixagem. Partes das obras são recombinadas, recriando novos produtos. Neste contexto, surge a licença Creative Commons [1], chamada de copyleft, o contrário do copyright. Neste modelo de licença, o autor define se permite que a obra seja usada sem fins comerciais e se é possível gerar obras derivadas dela. IHU On-Line - E como o senhor vê a relação entre comunicação e mobilidade? Qual o futuro das cidades a partir dessa relação? João Bittencourt - Acredito que o século XXI irá se tornar um caos caso se mantiver, por mais alguns anos, com esta mentalidade analógica. As grandes cidades estão caóticas em função da grande quantidade de carros nas ruas. A sociedade atual deve se conscientizar da importância do tele-trabalho, de usar as tecnologias para trabalhar a partir de suas residências. Por exemplo, o litoral gaúcho sofre fortemente no período do inverno. Muitos profissionais poderiam morar no litoral e trabalhar remotamente. Além de evitar o tumulto no trânsito, acabaria redistribuindo as pessoas nas cidades e favorecendo a economia local. Além deste aspecto, outro lado que deve ser revisto é a mobilidade que as cidades irão receber com uma camada adicional de informação acessível de qualquer lugar e usando diferentes dispositivos (um celular, um notebook...). A computação ubíqua trata exatamente deste aspecto. Por exemplo, poderíamos ir a um museu, apreciar uma determinada obra de arte e, com um celular, apontar para uma obra e obter mais informações sobre o autor, sobre a técnica usada. Essas tecnologias vão acabar mudando a relação do homem com a cidade. IHU On-Line - O Brasil "invadiu" o Orkut e, de acordo com o relatório do O'Reily Radar sobre o crescimento do Facebook, é o país onde o Facebook mais cresceu na América Latina. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo? João Bittencourt - O brasileiro é conhecido no exterior pela sua espontaneidade; é um povo alegre e comunicativo. Sem dúvidas, se sentirá atraído por estes ambientes online, onde poderá conhecer novas pessoas, formas, amizades, namoros, contatos. É muito interessante observarmos nas lan houses da periferia das cidades da Grande Porto Alegre placas anunciando o acesso ao Orkut e ao MSN. O brasileiro também gosta muito da sociedade do espetáculo, de bisbilhotar a vida dos famosos e de ter seus quinze minutos de fama. Se não gostasse, o Big Brother Brasil não estaria indo para a décima edição. As redes sociais são uma forma de oportunizar estes minutos de fama, do sujeito se tornar conhecido e poder bisbilhotar não só na vida dos famosos, mas dos colegas, vizinhos e amigos. IHU On-Line - Como o senhor vê o conceito de poder liberador das redes sociais? João Bittencourt - Na verdade, o poder liberador está no conceito da internet, de uma grande rede de comunicação e informação. A riqueza revolucionária está na capacidade de transformar o receptor/consumidor em emissor/produtor de conteúdo. O caso recente do Irã é um exemplo disso. No século XXI, as ditaduras se tornam mais difíceis, fica mais complicado querer oprimir a imprensa oficial, pois existem centenas de pessoas com acesso à tecnologia e à internet, que podem transmitir a informação para todo o mundo, no momento em que o fato está ocorrendo. Não é só politicamente que as coisas mudam, mas o perfil do consumidor também se altera. As próprias campanhas publicitárias perdem a força no sentido de que hoje muitas pessoas não compram nada antes de ver a opinião de outros na internet. Antes, só uma campanha publicitária bem feita era suficiente. Atualmente, é mais difícil efetuar este convencimento. A internet comercial no Brasil começou há 14 anos, com a conexão discada e o modem de 14.4 Kbps, ocupando a linha telefônica, com contas altíssimas por um serviço lento. É óbvio que o nosso cenário tecnológico atual não é dos melhores, mas muita coisa mudou. Hoje temos mais acesso à banda larga, novos planos mais acessíveis para a internet discada e até a internet 3G. Sem ter uma postura alienante, considerando nossos problemas sociais, podemos dizer que um jovem de classe média, nascido há 14 anos, já tinha em casa um mundo com água, luz, telefone e internet. No início do século passado, aqui mesmo em Porto Alegre, nas regiões rurais, só havia água do poço ou do córrego mais próximo. Isso, sem dúvida, muda fortemente nossa sociedade, nossos valores e nosso comportamento de uma forma radical. As redes sociais são meramente mais um modismo tecnológico deste universo em rede. A libertação está no protagonismo do sujeito. IHU On-Line - O conceito de web 2.0 ainda pode ser considerado atual? João Bittencourt – Na minha opinião, ainda é. Na verdade, a internet pensada por Tim Berners Lee [2] é a web 2.0 - do compartilhamento, da co-autoria, da sociedade em rede. A geração web 1.0 só existiu pela falta de tecnologia da época. Só hoje estamos realmente vivendo a web 2.0. Ainda não temos boas aplicações para dizermos que já estamos em uma web 3.0, que seria o uso mais inteligente da informação disponível na web. Temos exemplos de agregadores de RSS, feeds, também os mashups, que agregam várias informações em um site. Mas ainda estamos longe de um uso inteligente e adaptativo desta informação. Para isso, precisamos de agentes artificiais que apliquem inteligência artificial nestas ferramentas, para adaptar o conteúdo conforme o perfil do usuário.
Nicolas Negroponte [3] em seu livro Vida Digital (São Paulo: Companhia das Letras, 1995) já tratava da necessidade de termos estes agentes inteligentes para organizar a informação para o sujeito. Imagine a quantidade de vídeos que são criados pelas produtoras e pelas pessoas. Chegamos em casa cansados e queremos assistir a um vídeo para relaxar. Queremos ligar a TV e ver o que está passando, sem ficar horas fazendo buscas. Neste caso, seria ótimo se houvesse um agente que sabe meu perfil, meus gostos, o que gosto de assistir em determinado dia/horário e, quando eu ligar a TV, já assistir a um vídeo adequado ao meu perfil. Quando estivermos nesse nível, podemos começar a falar de uma web 3.0. IHU On-Line - Que sociedade a cibercultura está ajudando a criar? João Bittencourt – Uma sociedade mais cooperativa, mais comunicativa, mais informada sobre qualquer coisa (sem entrar no mérito do julgamento da qualidade e da relevância desta informação). Algumas pessoas têm a oportunidade de serem criativas e colaborarem na criação de novos artefatos digitais. Outras, mais críticas, podem construir uma sociedade mais democrática, no sentido de oportunizar a difusão de ideias e conceitos. Em contrapartida, também gera uma sociedade mais superficial, mais impaciente, com síndrome de 24 horas por 7 dias na semana, mais efêmera, mais casual, sem heróis, mas cheia de personalidades relâmpagos, que são conhecidas por campanhas virais. Notas: [1] Creative Commons pode denominar tanto um conjunto de licenças padronizadas para gestão aberta, livre e compartilhada de conteúdos e informação (copyleft), quanto a homônima organização sem fins lucrativos norte-americana que os redigiu e mantém a atualização e discussão a respeito delas. [2] Timothy John Berners-Lee é o inventor do World Wide Web e diretor do World Wide Web Consortium, que supervisiona o seu desenvolvimento. [3] Nicholas Negroponte é um cientista estadunidense, formado em Arquitetura. É um dos fundadores e professor do Media Lab, o laboratório de multimídia do Massachusetts Institute of Technology (MIT)

sábado, 4 de julho de 2009

Honduras.''No movimento popular, sobretudo, há um grande medo.'' Entrevista especial com Antonio Pedraz

O padre jesuíta Antonio Pedraz vive em Honduras e de lá nos conta como está a situação do país que viveu, no último domingo, um golpe de Estado e depôs o então presidente Manuel Zelaya. Pe. Pedraz, em entrevista à IHU On-Line, define o momento como incerto e delicado e retrata o que a população hondurenha está vivenciando durante essa conjuntura e crise política no país. Pedraz destaca que, por exemplo, o movimento popular e o sindicato dos professores de Honduras estão do lado de Zelaya e quer o seu retorno ao governo do país. Já os “golpistas” e quem está deste lado da história reclama que Zelaya é antidemocrático e teve ações inconstitucionais.
A crise em Honduras se deu já na eleição de Zelaya. Ele era tido como um político conservador, mas pôs em prática ações de esquerda, contando com o apoio de Hugo Chávez. Quando defendeu uma reforma constitucional, que previa, entre outras mudanças, a possibilidade de reeleição, foi deposto. Foi preso na madrugada do dia 29 de junho, ainda de pijama, e levado para a Costa Rica. Enquanto o presidente interino Roberto Micheletti continua à frente do país e conta com o apoio dos militares, Zelaya promete voltar ao país e junto com os principais líderes da América Latina.Segundo Pe. Pedraz, o conflito deve se resolver ainda nesta semana mesmo. “Há um ditado popular em Honduras que afirma que os problemas não duram mais do que uma semana”, conta ele na entrevista que concedeu por e-mail.
Pedraz passou o primeiro semestre deste ano no Brasil, em São Leopoldo, fazendo um curso de atualização teológico-pastoral. Em Honduras, trabalha na formação político-cidadã e muito se interessou pelo trabalho realizado pelo IHU.
Ele participou de uma das seis etapas da Escola de Formação Política promovida pela Diocese de Caxias do Sul em parceria com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a situação em Honduras neste momento?
Antonio Pedraz – É uma situação incerta e delicada, já que existem dois presidentes, um expulso do país e outro que quer entrar em função. Ambos dizem que são presidentes constitucionalmente, e cada um com sua lógica própria. [Manuel] Mel Zelaya [1] tenta reverter uma situação muito comprometida e aproveitando os foros internacionais como alavanca para poder regressar ao país e terminar seu período presidencial que acabaria em janeiro de 2010. Roberto Micheletti [2], por sua vez, tenta demonstrar que assume o poder sem ser um golpe de Estado e inicia uma ofensiva internacional, argumentando que o que se fez foi para defender a lei, a democracia e a constituição.Mel Zelaya está se apoiando na rejeição internacional diante do "golpe de Estado". Tanto os EUA como a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos, os países centro-americanos, os integrantes da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) rejeitaram o "golpe" e até hoje se mantêm firmes. Depois do discurso na ONU, conseguiram um apoio de toda a assembleia. Se essa posição se mantiver firme, é possível que a situação seja revertida, e que ele possa regressar.Roberto Micheletti tentará aferrar-se ao poder por todos os meios. Passou, da noite para o dia, de candidato presidencial fracassado a presidente da República. Nas eleições internas do ano passado, as urnas o derrotaram de uma maneira contundente, e, no domingo, o Partido Liberal o colocou como presidente. Ironias da democracia: o que foi derrotado pelo povo é constituído presidente pelos poderes fáticos! Isso explica as manifestações que estão ocorrendo no país. Por um lado, os partidários de Mel Zelaya, que contam com seus seguidores, um setor do movimento popular e do sindicato dos professores. Além disso, existe outro setor que não está com Mel Zelaya, mas protesta e se pronuncia contra os fatos ocorridos, por considerá-los anticonstitucionais e antidemocráticos. Esses setores estão sendo reprimidos duramente pelo exército. Isso lembra os anos 80, década da insurreição, guerra de baixa intensidade, suspensão das garantias constitucionais, desaparecidos, militarização das zonas conflitivas, polarização ideológica, fechamento de emissoras de rádio, toque de recolher etc. No movimento popular, sobretudo, está ressuscitando algo mais do que fantasmas, e há um grande medo. Alguns deles saíram do país ou estão escondidos.Por outro lado, hoje (02-07-2009) houve uma grande manifestação em Tegucigalpa [capital de Honduras]. Foram patrocinadas e apoiadas pela empresa privada. Pagaram o dobro aos trabalhadores para que participassem. Numerosos movimentos conservadores da sociedade civil também se uniram. E, infelizmente, numerosas Igrejas a apoiaram. Com isso, entendemos facilmente que a situação está muito tensa com dois projetos contraditórios, mas desnivelados, posto que, nestes momentos, quem tem o poder utiliza o exército e a repressão para se impor sobre toda a sociedade. É bom lembrar o controle e o fechamento dos meios de comunicação desde domingo bem cedo.Ainda que pareça uma digressão semântica, considerá-lo como "golpe de Estado" ou "restauração da democracia" sempre depende das relações de poder. Aquele que triunfa se considera legítimo, e aquele que perde é desqualificado em sua totalidade. É de se esperar que, nesta semana, o conflito se resolva. Há um ditado popular em Honduras que afirma que os problemas não duram mais do que uma semana.
IHU On-Line – Como o governo de Zelaya, que era conservador, se converteu em “progressista”?
Antonio Pedraz – Aquele que aparecer na mídia como "progressista" não deixa de parecer paradoxal, porque esconde o que não é. Eu qualifico o que ocorreu como um "autogolpe político" no interior do Partido Liberal. Foram as outras correntes do Partido Liberal que derrubaram o movimento de Mel Zelaya, em aliança com o Partido Nacional (o grande opositor), os poderes fáticos, as "instituições democráticas e políticas" do país (Congresso nacional, Corte Suprema de Justiça, Ministério Público, Comissariado dos Direitos Humanos etc. etc.) e o exército. É preciso ter em conta que, em Honduras, existe um sistema político bipartidarista, e tanto o "Partido Liberal" como o "Nacional" são os que repartem e se alternam no poder. Ambos os partidos controlam o Congresso, a Corte Suprema e as demais instituições de Estado, que são repartidas proporcionalmente e de maneira contínua.O que está por trás do golpe de Estado? Popularmente, denomina-se como "continuísmo". É algo que vem há uns quantos anos. A Constituição proíbe a reeleição presidencial. Os líderes políticos propuseram isso em diversas ocasiões, mas até hoje não havia sido tentado a sério. Parece que Mel Zelaya buscou por diferentes meios a maneira de continuar no palácio presidencial. Em abril deste ano, sua corrente política liberal perdeu o controle do partido. Estava estimulando a realização de uma "consulta popular" (precisamente a que não pode realizar no domingo, pois foi o dia do golpe) sobre se colocar, nas eleições gerais de novembro desde ano, uma "quarta urna", na qual se perguntaria ao povo hondurenho se estava de acordo na conformação de uma Constituinte. Por trás da Constituinte, estava o fato de elaborar uma nova constituição que lhe permitisse continuar no poder. É isso o que está por trás dos fatos do domingo, e que os seus "correligionários" e outros grupos não permitiram que fosse realizado por meio do autogolpe. Não há, portanto, nada de progressista, e, talvez, ele estaria se alinhando político-ideologicamente com Chávez e sua reeleição indefinida.A partir de dentro e sem ter mais dados, essa é a imagem que se projeta. E o próprio presidente, aproveitando uma conjuntura internacional favorável a seus interesses, capitaliza ao máximo essa imagem midiática. Isto é, suas manobras não tinham nada de progressista, mas sim, talvez, utilizavam a democracia como uma tela que ocultasse seus verdadeiros interesses. E ocorre a mesma coisa com os atores políticos e econômicos que o derrubaram. Tanto o atual presidente "golpista" Roberto Micheletti como Pepe Lobo [3] (candidato presidencial do Partido Nacional) foram presidentes do Congresso Nacional e acomodaram a Constituição para poder se apresentar como candidatos presidenciais, fato que está proibido pela Constituição. E, se recorrermos pormenorizadamente à história política recente do país, encontramos que isso foi uma prática comum durante anos, chegando ao extremo de se tornar famosa a frase de um político que disse que "é preciso violar a Constituição quantas vezes for necessário". O resultado, no fim das contas, é que, tanto uns quanto outros compartilham da mesma maneira de pensar e agir. Portanto, o fato de aparecer como vítima, defensor do poder cidadão, representante dos setores populares, defensor da lei e da constituição não é mais do que pura retórica.
IHU On-Line – Você pode nos falar sobre a reação dos movimentos sociais? Quais foram as medidas mais revolucionárias tomadas?
Antonio Pedraz – O movimento social está muito debilitado neste momento. Por um lado, não há renovação de quadros, militâncias e propostas há muito tempo. Desde os anos 90, em que se começou a impor fortemente os ditados do "Consenso de Washington", não foram feitas propostas claras e eficazes para enfrentar a nova situação paradigmática e se converter em uma oposição verdadeira. A economia globalizada é muito difícil de manejar e enfrentar.Por outro lado, generalizou-se uma prática entre os líderes do movimento popular, que consiste em se aliar com algum dos partidos tradicionais apresentando-se como candidatos nas planilhas desses partidos. Com isso, neutralizam o potencial de mudança e alternativa no movimento popular, passando a se constituir como servidores submissos dos setores dominantes da sociedade. Diante desse fracasso, os movimentos sociais de caráter territorial estão começando e lutando pela defesa dos recursos naturais ou defendendo a luta contra a corrupção nas instituições do Estado. É de onde pode vir a esperança. Neste momento, é um movimente incipiente e que está conquistando cada vez mais força, peso e possibilidade de uma alternativa política.Na conjuntura atual, uma parte do movimento popular se uniu ao movimento de Mel Zelaya, trazendo como consequência uma grande confusão e debilidade. Concretamente, é o que aconteceu com um setor do movimento indígena. A única exceção foi a postulação de uma candidatura independente, tentando atrair o voto popular: é o caso de Carlos H. Reyes, sindicalista da capital e militante de muitas batalhas. O fato de ter feito isso tardiamente não parece que possa se consolidar como uma alternativa real. Em consequência, tanto neste momento conjuntural como frente às eleições presidenciais do mês de novembro, não se vê qual pode ser a contribuição do movimento popular e se ele será capaz de contrabalançar uma democracia fraca que se caracteriza pela pobreza, pela desigualdade e pela exclusão.
IHU On-Line – Qual é o papel de Hugo Chávez neste momento para o povo de Honduras?
Antonio Pedraz – A inclinação de Mel Zelaya para Hugo Chávez e o alinhamento com os países da Alba não foi fácil. A aprovação por parte do Congresso Nacional se fez com base em negociações e concessões. Além disso, foi feita no contexto da crise energética, quando os preços do petróleo cresceram de uma forma desmedida. O fato de que a Petrocaribe oferecia um bom preço, crédito cômodo e possibilidade de financiar projetos sociais favoreceu a aceitação da oferta. Foi um período de muitas tensões com as transnacionais do petróleo, em que o governo saiu derrotado e não conseguiu que essas companhias se submetessem às necessidades do país.Por outro lado, é sabido de todos que a tática de Chávez é conseguir novos membros para a Alternativa Bolivariana mediante os petrodólares. A aproximação se tornou mais forte à medida que as forças políticas, econômicas e meios de comunicação do país foram isolando cada vez mais o presidente Zelaya e a corrente do Partido Liberal em que se apoiava. Isso significou que foram se fechando as portas para levar adiante seu próprio projeto político mediante consensos e aprovações.O dado que vai aparecendo é que o presidente Zelaya recebeu grande ajuda econômica de Chávez para que ele fizesse a "consulta popular", que foi abortada no domingo passado. O que confirma que o alinhamento com Chávez se tornou mais forte à medida que foi isolado pelas forças políticas.
IHU On-Line – Como você percebe a participação de Honduras na Alba?
Antonio Pedraz – Sempre foi vista com certa precariedade, porque era uma alternativa muito personalizada e presidencialista. Isto é, que mudaria uma vez que fosse eleito um novo presidente das eleições deste ano. Igualmente, muito dependente da evolução política da Venezuela. Lá também a situação está longe de ser consensual e aceita por toda a sociedade.
IHU On-Line – O que o senhor pode nos dizer sobre Roberto Micheletti?
Antonio Pedraz – Roberto Micheletti é um empresário dos transportes da costa norte do país e um líder muito vinculado tanto com a política quanto com a oligarquia. Aproveitou muito bem sua larga estadia no Congresso Nacional, tendo sido seu secretário e presidente. Foi aí onde forjou sua carreira política, unido aos setores conservadores da sociedade. E, como começa a ser habitual na classe política, tenta se afirmar no jogo de poder por meio da incorporação de seu jovem filho à vida política nacional.A verdade é que o autogolpe lhe deu vida, devido ao fato de ter sido duramente derrotado nas eleições internas no ano passado. Fechou-se-lhe o caminho para chegar à presidência. E, diante da sociedade hondurenha, é indignante que o voto que os cidadãos não lhe deram seja outorgado pelas forças que fizeram o autogolpe. Isso aprofunda a crise de representatividade dos partidos políticos, manifesta o grande desgaste do Partido Liberal, que, mediante esse fato, praticamente entregaram ao partido opositor o resultado das próximas eleições gerais de novembro deste ano.
IHU On-Line – No que consistia a consulta que Zelaya havia programado e que se converteu em razão da sua deposição?
Antonio Pedraz – A consulta popular era uma manobra diante das eleições gerais deste ano. De uma maneira ou outra, consistia na forma de continuar no poder, tanto em nível pessoal quanto no de sua corrente política. Os velhos líderes que controlam o Partido Liberal e o Partido Nacional não permitiram isso. Igualmente, a empresa privada não estava disposta a que as regras do jogo fossem mudadas, pois sempre obteve seu poder mediante sua vinculação com a economia e a política norte-americanas.
IHU On-Line – Existe a necessidade de uma nova Constituição em Honduras?
Antonio Pedraz – É sabido que as constituições são expressão da conjuntura e correlação de forças de um país em um momento dado. A atual constituição foi formulada no início da etapa democrática. Saía-se de um longo período de governos de fato, em que os militares foram os principais protagonistas. Nesse momento, não se permitiu que a reeleição presidencial devesse entrar na nova etapa democrática.No entanto, é uma questão comum que foi debatida em muitos países latino-americanos. Obviamente, é algo que pode e deve ser proposta, se vermos que é necessário em nível nacional. Mas não era nem o momento nem a forma de realizá-lo. Isso supõe uma participação de todos os setores da sociedade com tempo, transparência, informação ampla e igualdade de condições. Nesse caso, tentava-se mudar a constituição mediante a manipulação da democracia com fins eleitorais e deixando de fora os opositores políticos e a sociedade em geral. O normal é que se proponha isso no início ou uma vez que uma nova legislatura tenha avançado.
IHU On-Line – Do que depende o retorno de Zelaya ao governo de Honduras?
Antonio Pedraz – Dependerá, de maneira fundamental, do "fator internacional". Os dois grupos estão colocando em prática as suas próprias estratégias para se manter em suas posições e isso complexifica a situação. O que seria ideal?1. Em primeiro lugar, que o presidente Mel Zelaya pudesse regressar ao país e poder terminar seu período presidencial.2. Se há acusações contra ele, que sejam feitas e que ele as enfrente.3. Para isso, é fundamental que ele renuncie ao seu projeto de consulta popular e à "quarta urna".4. Que o setor golpista deixe de lado a repressão e a vingança política e aceite realmente as regras do jogo da democracia.
Notas:
[1] José Manuel Zelaya Rosales, também conhecido como Mel Zelaya, é um político hondurenho que foi presidente da República de Honduras de 27 de janeiro de 2006 a 28 de junho de 2009, quando foi deposto pelo golpe de estado de 29 de Junho. Ao tentar promover um referendo constitucional visando a extensão do seu mandato, Zelaya acabou causando uma crise política, que culminou com o golpe de Estado que o tirou do poder. Apesar de eleito por um partido direitista, Zelaya fez reformas econômicas e sociais de tendência esquerdista, o que o levou a perder popularidade com os donos do poder econômico que sempre comandaram Honduras, enquanto a esquerda passou a apoiá-lo. A oposição direitista ao seu governo recrudesceu à medida que Zelaya se aproximava de Hugo Chávez e, sobretudo, com a adesão hondurenha à Alba e, sobretudo, por seus ataques verbais aos Estados Unidos e ao setor empresarial.[2] Roberto Micheletti Bain é um político hondurenho. Assumiu a presidência de seu país em 28 de junho de 2009, após um golpe de Estado, que depôs o então presidente José Manuel Zelaya.[3] Porfirio Lobo Sosa, também conhecido como Pepe Lobo, é líder do Partido Nacional de Honduras e professor universitário de economia. Concorreu à presidência nas eleições de 2005, mas perdeu para Zelaya.

Agrocombustíveis. O Planeta suporta? Entrevista especial com Jean Marc von der Weid

Os agrocombustíveis são apresentados como uma das possíveis soluções para resolver os problemas ambientais e compor um novo modelo de matriz energética, mais limpa, sustentável e ecologicamente correta. Diante de tantas promessas, o economista Jean Marc Von der Weid alerta: “Apresentam essa alternativa como se ela pudesse ter uma influência muito significativa no abastecimento de combustíveis líquidos no mundo, quando na verdade não existe a possibilidade de se ter um efeito marginal”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista é enfático e assegura que “a necessidade de terras que envolve uma substituição maciça de gasolina ou óleo diesel por agrocombustível é impossível de ser suportada pelo planeta”. Entre as matérias-primas sugeridas, está a cana-de-açúcar como potencial para reduzir as emissões de gases estufa. De acordo com Von der Weid, essa possibilidade só é viável se levarmos em consideração o aproveitamento do bagaço para geração de energia complementar, e se o restolho das culturas de cana for utilizado como combustível. Ainda assim, ele reiteira, “a cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento”. Jean Marc von der Weid é formado em Economia. Ele participa da ONG AS-APTA e faz consultorias para a FAO e ao PNUD na área de desenvolvimento sustentável, na África e América Latina. Em 1998, criou a Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Por que os agrocombustíveis ainda são percebidos como a energia da controvérsia? Quais são os aspectos negativos e positivos desse modelo de combustível? Jean Marc von der Weid – Os agrocombustíveis ainda são controvertidos, embora o presidente Lula e alguns produtores pensem que essa é apenas uma questão política. Eles argumentam que países de Primeiro Mundo querem impedir a produção e comercialização dos agrocombustíveis, o que não é verdade. Os EUA e os europeus também estão investindo nessa área e competem diretamente com o nosso produto. No entanto, estão defendendo o espaço deles. A controvérsia se situa no ponto mais crítico desse agrocombustível: apresentam essa alternativa como se ela pudesse ter uma influência muito significativa no abastecimento de combustíveis líquidos no mundo, quando na verdade não existe a possibilidade de se ter um efeito marginal. Digo isso porque a necessidade de terras que envolve uma substituição maciça de gasolina ou óleo diesel por agrocombustível é impossível de ser suportada pelo planeta. Então, estamos lidando com algo relativamente marginal, apesar da propaganda que é feita em cima do impacto ambiental, social e econômico. A outra questão controversa diz respeito aos impactos ambientais. Os defensores dos agrocombustíveis dizem que ele irá reduzir a emissão de gases estufas e trazer benefícios para o meio ambiente. Por outro lado, avaliações apontam para uma diminuição de emissões de gases apenas para a produção à base de cana-de-açúcar, mas ainda assim todo o bagaço precisa ser aproveitado para geração de energia complementar, se o restolho das culturas de cana for utilizado como combustível. É claro que há promessas de que novas matérias-primas possam desempenhar um resultado mais eficiente, mas até agora elas não estão no mercado. A partir do momento em que passarem a ser competitivas, darão um baque na produção atual de agrocombustível, em particular da cana-de-açúcar; seria uma competição possivelmente difícil de suportar. Cana-de-açúcar como alternativa energética A cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento. O governo brasileiro diz que isso não irá acontecer. Se pensarmos em termos de desmatamento direto, ou seja, cortar floresta para plantar cana, certamente não terá um efeito maior. Mas existe o efeito indireto, que é muito poderoso: o cultivo de cana está deslocando outras culturas e, sobretudo, a criação de gado das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oste, que está se expandindo para a área da Amazônia. Tanto é que, atualmente, existe uma grande discussão em torno dos criadores de gado que desmatam na Amazônia, e dos frigoríficos que não podem comprar carne desses matadouros. Há indícios de que 30% da produção de carne no Brasil vem da região amazônica. O argumento governamental é de que isso não precisa ser necessariamente assim, quer dizer, é possível aumentar a produtividade das pastagens nas outras regiões e, portanto, ter uma maior quantidade de gado sem crescimento de área de pastagem. Teoricamente, isso é possível, só que, por enquanto, é muito mais barato desmatar na Amazônia do que aumentar a produtividade em outras regiões. Nesse sentido, as vantagens que a cana-de-açúcar apresenta do ponto de vista do balanço de emissão de gases de efeito estufa se perde. Essa é a essência da controvérsia.
IHU On-Line - Se a tentativa de substituir combustíveis fósseis por agrocombustíveis na escala proposta não irá resolver o problema energético, agravando ainda os efeitos ambientais e a produção de alimentos, qual é o caminho para pensar o futuro energético? Como abandonar os recursos fósseis e garantir energias renováveis? Jean Marc von der Weid – A verdade é que não existe uma solução única para esse impasse. Os combustíveis fósseis estão em processo de esgotamento que não deve ser superior a 10 ou 15 anos, com efeitos de crescimento desde já. No ano passado, tivemos um repique no valor do barril de petróleo, o qual posteriormente baixou com a crise. Algumas pessoas ficaram aliviadas, pensaram que o problema estava resolvido. Pelo contrário, não está. A tendência é o valor do petróleo subir significativamente; a demanda mundial decresceu, mas nem tanto. Toda a matéria-prima em processo de esgotamento vive esse tipo de situação. Entretanto, não é só o combustível fóssil que está em fase de colapso, mas também alguns minerais essenciais para o sistema agrícola convencional baseado na tecnologia da evolução verde, sobretudo o fósforo. Existem várias soluções para encaminhar, em especial os investimentos em energia eólica e solar, que são ainda muito subutilizadas no mundo. Certamente, um imenso esforço de racionalização e economia no uso dos remanescentes do petróleo e do carvão poderia durar mais tempo. Há, sem sombra de dúvidas, uma necessária mudança na matriz energética e no consumo, em particular no que diz respeito aos combustíveis líquidos. É preciso começar a pensar num futuro em que os transportes não sejam centrados no consumo de gasolina e diesel. No ponto de vista da agricultura, a tecnologia pode dar uma contribuição muito grande à diminuição do efeito estufa e também a própria matriz energética, mudando o padrão de produção.
IHU On-Line - Por que os agrocombustíveis só serão importantes daqui a uma ou duas décadas? Jean Marc von der Weid – Há interesses muito grandes das empresas de petróleo, sobretudo em esconder a escassez desse produto. Por outro lado, os índices de reservas novas descobertas não cobrem o esgotamento das reservas anteriores. Então, existe uma perda constante do ponto de vista de reservas, e mais: as reservas descobertas hoje têm um custo financeiro mais elevado. No começo da exploração do petróleo, quando descobriram os grandes poços na Arábia Saudita, se investia um barril de petróleo em termos de energia para extrair dez. Atualmente, se investe em um para extrair três. Além disso, não se encontra mais petróleo de fácil extração, pelo contrário: vamos extrair petróleo do pré-sal, de 4 metros de profundidade, em cima de lâmina d’água. Informações mostram que o oil peack (pico do petróleo) - ponto a partir do qual as reservas começam a cair - já foi alcançado no ano passado. Descobertas como a do pré-sal, para nós, são muito significativas, mas do ponto de vista mundial representam muito pouco. As reservas indicadas no Brasil até agora são de 80 bilhões de barris, otimisticamente. Se tudo for transformado em petróleo, o que nunca acontece, teremos uma contribuição de mais de dois anos no consumo mundial. Isso, levando em conta os índices de consumo hoje, sem falar de que há uma progressão anual de 2 ou 3% no aumento de consumo. Se a economia se relançar proximamente, esses índices de consumo também irão aumentar bastante.
IHU On-Line - Com o esgotamento do petróleo, o senhor vislumbra transformações na economia mundial? Já podemos pensar em outro modelo ou novo ciclo econômico, mais sustentável? Jean Marc von der Weid – Possível é. A grande dúvida é: as forças políticas e econômicas do mundo irão assumir a necessidade dessa transformação e conduzir o processo de transformação de uma forma inteligente e controlada? Se deixarmos para o mercado decidir, vamos caminhar para uma situação caótica, porque evidentemente quem está interessado na manutenção do padrão atual jogará com isso até o limite do possível. Quando o sistema começar a quebrar e o abastecimento de petróleo desaparecer de uma forma significativa, talvez fique difícil enfrentar uma crise energética violentíssima. Para fazer isso sem grandes solavancos, precisariam de uma série de medidas tanto econômicas, tanto no uso de recursos fósseis de energia quanto na mudança do padrão de consumo e na geração de outras formas energéticas sustentáveis. O problema todo é a falta de governabilidade nesse processo de transição. Se houver um acordo mundial para fazer essa mudança, teremos um resultado. Se não, teremos uma situação de caos e implicações econômicas e sociais muito graves no mundo todo.
IHU On-Line - Em que medida as crises econômica, ambiental e alimentar podem gerar uma crise social? Isso já está acontecendo? Jean Marc von der Weid – Já existe de forma embrionária, e ela está oscilando em função de uma série de fatores. Os efeitos do aumento dos preços de petróleo já se fazem sentir na produção alimentar. Tivemos uma crise que é derivada, de um lado, do custo do petróleo e, de outro, do processo de produção de alternativas aos recursos fósseis. Não há dúvida de que a produção, sobretudo do milho americano convertido para o etanol , teve um efeito cascata em cima da economia alimentar mundial.
IHU On-Line - As energias renováveis terão poder de barganha para negociar crises financeiras, por exemplo? Jean Marc von der Weid – A crise financeira cria uma dificuldade a mais, porque, evidentemente, representa menos dinheiro e recursos investidos em alternativas para o futuro. A reação talvez mais forte do governo em relação à crise financeira foi estimular a produção de automóveis no Brasil. Então, para sair de um problema de curto prazo, estamos reforçando uma matriz energética negativa para o futuro. Ao invés de se investir em substituição da matriz atual por alternativas mais sustentáveis, se prolongam os fatores de crise para o futuro.
IHU On-Line - Como está a produção de biocombustíveis no Brasil? Dizem que o país produziu biocombustível em excesso e não tem para quem exportar. Jean Marc von der Weid – Não tenho essa informação detalhada, mas acredito que isso seja possível, porque a expansão na produção desse produto foi muito rápida. Entretanto, não acredito que no curto prazo isso seja um problema, porque a demanda continua aquecida. Os projetos mirabolantes foram adiados, algumas empresas se endividaram muito e estão vivendo uma crise porque não conseguem vender seus produtos. Mas isso não representa um golpe fatal, sobretudo na produção de etanol de cana-de-açúcar. Na produção de biodiesel, que é infinitamente menor, o problema é de outra natureza, ou seja, político. A cana-de-açúcar tem viabilidade econômica nos marcos do sistema atual. O biodiesel não; ele depende de investimentos do governo. O Brasil não recua no estímulo ao uso de biodiesel porque o impacto político seria muito grande. O biodiesel foi prometido como a agroenergia dos pobres. Diziam que os pequenos produtores forneceriam a matéria-prima para a produção de biodiesel, mas isso não está acontecendo. Hoje em dia, o programa de biodiesel brasileiro é um programa de biosoja, ou seja, já mudou de rumo há muito tempo.